Um ritual cívico

eleiçãoA primeira vez em que votei para presidente da República foi em 1959, quando se elegeria o sucessor de Juscelino Kubitschek. A paixão cívica, diante de um Brasil transformado por JK, levou a embates monumentais. Escolhendo o Marechal Lott para candidato – militar honrado mas sem qualquer carisma – Juscelino abria as portas para o vendaval eleitoral desencadeado por Jânio Quadros. Votei em Lott, na expectativa que nos animava a todos: o retorno de Juscelino Kubitschek em 1965. Mas o golpe de 1964 destruiu esperanças, matou a democracia brasileira que Juscelino fortalecera de maneira admirável.

Apenas 30 anos depois, em 1989, voltei a votar para um presidente da República, na primeira eleição direta e livre após o golpe militar. Foi uma festa cívica nacional. E, naquele dia, meu orgulho era tal que, para votar, me vesti com terno e fui às urnas usando gravata. E criei um meu ritual que ainda hoje me acompanha nas eleições presidenciais: ouvir, logo pela manhã – como num anúncio de comunhão nacional – a Fantasia Triunfal de Gottschalk, para o Hino Nacional. Ouço-a, emociono-me, acendo velas, vou votar.

Neste dia 3 de outubro, farei o mesmo, banhando-me espiritualmente com a admirável obra de Louis Moreau Gottschalk, um estadunidense que amou o Brasil e se tornou o principal pianista da América Latina a seu tempo. Creio não ser apenas em mim, mas a quantos a ouvem, que aquela obra fascina e embriaga. É como o anúncio de uma Primavera eterna, esta que, agora, já se descortinou para o Brasil. Pois, por mais haja detratores, interesses políticos que despertam ódios e ranços, o Brasil – com tantos problemas ainda a ser resolvidos – ingressou num novo ciclo e num novo mundo, “sem precisar pedir licença”, como bem o afirmou, ainda recentemente, um consagrado antropólogo e comunicador.

Tomara os jovens pudessem aprender, de nós – especialmente os que tanto lutamos pelo retorno à democracia no Brasil – a importância fundamental do voto consciente, a responsabilidade no exercício de um bem que não é apenas um direito mas, também, um dever. Aos 70 anos, eu poderia abdicar, legalmente, do ato de votar. Mas eu seria tolo se o fizesse, pois é um momento único de manifestar meu pensamento, minha vontade, minhas convicções diante de um país que precisa ser amado como se fosse, realmente, uma Fantasia Triunfal.

Já separei, pois, o Gottschalk para ouvi-lo na manhã dessa festa nacional. E estão à minha espera as velas que acenderei a deuses desconhecidos, para que me inspirem diante da urna eletrônica, votando em candidatos que sejam os melhores, não para mim, mas para os destinos desta nação, para este nosso povo que readquire a sua dignidade, milhões e milhões de novos cidadãos que deixam a miséria para ingressar no salão de nossa festa cívica. Que os céus nos inspirem. E bom dia.

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