Vida de jornalista

Esse texto foi publicado originalmente em agosto de 1988, no jornal semanário A Província. A republicação comemora os 30 anos do projeto editorial.

Estávamos, há poucos dias, em uma mesa de bar, jovens e antigos jornalistas, na boêmia gostosa que faz parte essencial dessa profissão que, antes de mais nada, é um simples vício. Havia o brilho da santa inveja nos olhos dos mais jovens, pois o jornalismo mudou muito, de onde ter perdido todo o romantismo que foi, ao longo do tempo, a sua grande mística.

O processo industrial, por exemplo, é muito mais importante do que o próprio produto. E, assim, as máquinas vão tendo mais importância do que as pessoas, como de resto em qualquer outra atividade. Chamo a isso de a síndrome da off-set, como já passou a ser também a síndrome do laser.

Um operador de tais máquinas é, diante de uma empresa jornalística, mais importante do que o próprio jornalista, pois este quase nada mais cria, já que as ideias continuam sendo proibidas na maioria das redações. Jornalista que pensa não serve – esta tem sido a regra.

Pois o importante é a frieza da notícia, não a análise dela, a sua intepretação, a opinião, a reflexão. As redações confirmam a descoberta de Lavoisier: nelas, nada se cria. Ou confirmam o Chacrinha: nada se cria, tudo se copia. E assim caminha a humanidade…

De qualquer forma, os antigos jornalistas têm muito a lembrar das aventuras, do romantismo, da picardia, uma escola de vida que foi o jornalismo. Costumo dizer que, depois de dirigir um jornal, um homem está preparado para dirigir um bordel, um clube de futebol, escola de samba ou banca de jogo-do-bicho. A malandragem não tem segredo. Pois jornalismo era vida. Era.

Pois jornal está se tornando uma questão de preços, de espaço, de centímetro – um produto comercial qualquer. Vende tudo e, nele, tudo se vende. Não há necessidade de ideias, de idealismo, de vocação, de sonho da compulsão de servir. Basta entender de comércio. Por isso que os antigos jornalistas não servem para nada, desnecessários que são num tempo de compra e venda.

Apenas sabem pensar e escrever, observar e refletir, analisar e informar – e para que serve tudo isso? E o pior: acabou-se o romantismo da profissão. E, naquela mesa de bar, conversávamos sobre os jornais de antigamente. As histórias mais interessantes e curiosas, que fascinariam o leitor, foram sempre as que não se divulgaram. Dariam livros, muitos livros, se os jornalistas se reunissem para escrevê-las.

Lembro-me do Sebastião Ferraz, com quem efetivamente comecei. O Ferraz era um galã, um latin lover. E nos deixava em situações difíceis em suas andanças pela vida, sua paixão de viver. Dona Natalina ligava e a resposta que dávamos era sempre a mesma: ‘o Ferraz foi fazer uma reportagem”. E ela, brava e decidida: “Não precisa ser mentiroso. Eu só liguei para dizer que ele está doente e não vai poder ir hoje”. Hoje não há mais reportagens de madrugada. Nem esse álibi existe mais. É possível um insípido jornalismo como o de agora? Bom dia.

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