Vida inteligente na tevê

A televisão foi explicada por humoristas do passado como “máquina de fazer louco”. Ainda é. E, no entanto, foi um dos veículos de comunicação que mudou mais rapidamente o mundo e a vida das pessoas. Fico até assustado ao me lembrar de tudo o que aconteceu ou, pelo menos, de tudo o que vi acontecer.

Durante a II Guerra, eu era pequenino mas tais foram o pânico e o pavor dos adultos que não me esqueço daquele tempo sombrio. E uma das imagens que me fica é a de meu pai, ouvidos colados a um imenso rádio de válvulas, procurando alguma estação que desse informações, entre tantos chiados e ruídos, sobre o horror na Europa. A primeira estação de rádio em Piracicaba, uma das pioneiras também nisso, aconteceu em 1933, a Rádio Clube, criada por João Sampaio Góes, que iria transforma-se na PRD-6, Rádio Difusora. Mas tudo era precário. E poucas famílias tinham o aparelho de rádio. A Rádio Clube tinha um serviço de altifalante que berrava informações na praça principal.

Quase me esqueço do assunto que me motivou à crônica, mas eu precisava insistir nas mudanças quase absurdas, quase inacreditáveis que aconteceram, que eu vi. A televisão, em Piracicaba, apareceu logo em seguida à sua estréia em São Paulo, em 1950. Foi na loja Mercantil Piracicaba, de Eduardo Fernandes Filho, que o povo pôde ver as imagens na telinha, como se fosse um sonho ou mágica.

Paro por aqui, para não tecer uma croniqueta de fundo do baú. O fato é que o mundo é inimaginável sem televisão, internet, telefones celulares, um universo digital que está confundindo o real com o virtual. Em favelas, pode faltar comida, mas há um aparelho de televisão. Os barracos podem estar caindo, mas há antenas parabólicas. A televisão é, senão uma necessidade vital para os lares, um supérfluo absolutamente necessário e indispensável.

Confesso nunca ter sido um telespectador assíduo. Em minha casa, onde moro só praticamente os chamados dias úteis, o som de televisão não existe, a não ser à noite quando, então, me dou uma pausa e não abro mão de uma das minhas paixões: filmes. Assisto a um rápido noticiário – pois tudo o que aconteceu já me fora revelado pela internet e jornais eletrônicos – e não me dou por satisfeito enquanto não vejo um filme, confesso que, às vezes, até dois em seguida. A tevê a cabo, com ótimos canais de cinema, me livrou de ir a locadoras de DVDs. E, pela quantidade de filmes que eu locava, sai-me mais barato assinar uma variedade maior de canais de cinema.

Pouco vejo a chamada tevê aberta, tendo dispensado até mesmo o Jornal Nacional, esse espetáculo dantesco de tragédias e de horrores apresentados ao vivo e em cores. Mas, há pouco tempo, procurando um jogo do Corinthians, deparei com o programa CQC, da Bandeirantes. E uma sensação de alívio, de alegria e também de admiração me assaltou. Pois, finalmente, estava confirmado o que todos pediam que existisse na televisão já há tantas décadas: vida inteligente.

O CQC – não posso dizer de outros por ignorá-los – é, pelo menos para mim, uma obra prima de picardia, de humor inteligente, de ousadia equilibrada, como que uma edição eletrônica do velho O Pasquim, no qual palavrões, ironias, sátiras maliciosas eram apreciados e aplaudidos por sua graça e jeito adequado de serem ditos. O CQC tem formato diferenciado, o que mostra, mais uma vez, a genialidade do Marcelo Tass, talento que não fôra, ainda, aproveitado em toda sua grande dimensão. O CQC começa a cumprir um papel extraordinário, que os veículos impressos deixaram de exercer, que é a da crítica pelo humor, a mais poderosa de todas, a que deixa políticos e autoridades em pânico. É o “ridendo castigat mores”, que derruba tronos, que desmoraliza tiranias, que mostra a nudez do rei. Bom dia.

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