Votar, depois do 70

Todo feliz, às vésperas de completar 70 anos, meu amigo desabafou: “Pelo menos, a partir de agora, não serei mais obrigado a votar.” Para ele, mais do que um direito, votar sempre foi obrigação. E, confesso, fiquei em dúvida. Votar é um dever, um direito? Ou ambos?

Passei dos 70 e espero ir ainda mais longe. Nunca, porém, me veio à cabeça a simples possibilidade de deixar de votar. Ora, é meu direito de cidadão, de pessoa humana com alma livre. Mas, também, meu dever, diante da razão reta, essa que obriga a fazer o que deve ser feito e não fazer o que não deve ser feito. Aí, porém, é que entra o cerne da questão: votar – num cenário conturbado de torpezas, aproveitamentos, desonestidades, corrupções – é algo que deve ou não deve ser feito? Votar nisso tudo que aí está não seria apenas coonestar, concordar, acumpliciar-se? E não votar, não seria, essa atitude, uma omissão, covardia, desonestidade intelectual?

Já não me importo com tais perguntas ou questionamentos. Sempre votei e continuarei votando. E acertei na grande maioria das minhas escolhas: quase todos os meus candidatos foram derrotados. Ou seja: não fui responsável por eleger as multidões de sacripantas que mancharam a alma da pátria amada, salve, salve. Mas o pior de tudo – que, porém, nunca me desanimou – foi que, pouquíssimas vezes, votei a favor. Na maioria delas, votei contra. Votei em Brizola para não votar em Collor; votei em Fernando Henrique para não votar em Lula. E, depois, votei em Lula para não votar em Fernando Henrique.

O mais apaixonado, verdadeiro, consciente e honesto dos meus votos foi aquele que eu não pude dar. Eu ansiava, antes da maldição golpista de 1964, pela chegada das eleições de 1965 para – orgulhosa, ufanisticamente – votar em Juscelino Kubitschek, querendo-o, novamente, na presidência da República. Meu coração inflava de orgulho de ser brasileiro, Juscelino devolvera – a mim e à minha geração – não mais a esperança, mas a certeza de que estávamos deixando de ser o país do futuro. Havíamo-nos tornado o Brasil do presente, da arrancada para o desenvolvimento. A construção de Brasília – com todas as denúncias e oposições – era o milagre da capacidade criadora e realizadora dos brasileiros em construir uma nova capital nos limites de um quase deserto. Ser brasileiro era um ato de fé!

Votar, pois, é preciso, acho eu. Por direito e por dever. De minha parte, porém, confesso ter-me cansado de votar sempre contra. Não se trata em votar em mal menor, pois isso não existe. Mal é mal. A questão está no dano que causa: fulano pode causar dano maior; beltrano, dano menor. Cansei de votar em danos menores. Mas votar é preciso. Neste, naquele, branco ou nulo. Ora, o voto nulo é voto legítimo, legal, honesto. Pode ser uma solução, por que não?

O fato é que, falando a verdade, estou mais preocupado com a bomba que Israel ameaça lançar sobre o Iran. Não seria o começo do fim do mundo, anunciado para 2012? Em matéria de catástrofes, tragédias, estou acreditando em tudo. Bom dia.

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