Xerife sem estrela.

Para nós, míseros e pretensiosos ocidentais, o Oriente continua não apenas sendo um mistério, mas um mundo que julgamos seja ainda primitivo, tribal, incivilizado. Afinal de contas, para nós – míseros e pretensiosos, sim, ocidentais – tudo o que se refira a civilização tem que ser conforme esses nossos míseros e também pretensiosos padrões. É como se o mundo e o universo apenas existissem depois de nós, de nossa cultura, de nossos padrões de vida, desse nosso cristianismo que mais parece uma colcha de retalhos, mais institucional do que espiritual.

No entanto, Oriente é a luz. Tanto é que, ainda agora, quando falamos em orientação referimo-nos a Oriente, a orientar, a seguir a luz que de lá emana. Desorientar é fugir do oriente. E, por conseguinte, mal nos lembramos de que, na história, quando se falava no então desconhecido Ocidente, falava-se em “caminho dos mortos”, pois é onde se põe a luz, onde ela desfalece, a mesma luz que vem do Oriente.

Os Estados Unidos popularizaram a figura do xerife. É o manda chuva, o que impõe a ordem. Na história da conquista do Oeste estadunidense, a imagem do xerife se perpetuou em livros e libretos de aventuras, em filmes heróicos do Velho Oeste, imortalizando os Bat Masterson, Wyat Earp, Doc Hollyday, entre outros, protagonizados por atores másculos como John Wayne e até mesmo Clint Estwood. Eram os heróis prendendo bandidos, dando ordens, organizando a vida das comunidades e criando, enfim, a saga que os Estados Unidos acabou levando para o mundo todo como um estilo de vida, o “american way of life”.

Desde a primeira guerra mundial, os Estados Unidos arrogaram-se o direito de se tornarem os gendarmes do mundo. As invasões que patrocinaram e que eles próprios fizeram, a sombra da águia que lançaram sobre todo o mundo a partir da Segunda Guerra, o domínio econômico, o império, o poder das armas – lá estavam os xerifes impondo a sua própria lei, a “pax americana”, tão igual e lastimável quanto a “pax romana”, a “pax teutônica”.

Mas há uma profunda ironia em tudo isso. A palavra xerife nasceu no Oriente, pois xerifes eram títulos usados por príncipes mouros que se consideravam descendentes de Maomé. Xerife é, ainda agora, título de nobreza dos muçulmanos, que recebem a honraria se visitarem três vezes o túmulo de Maomé. John Wayne, com certeza, não sabia disso. E muito menos George W.Bush. Talvez, quem o saiba seja Barack Obama que, no entanto, vê a sua estrela de xerife estadunidense perder o brilho, a importância, o prestígio e o poder.

Quem pensaria numa revolução pela internet, varrendo o Oriente, desmontando esquemas de poder, de vassalagem, de tiranias? Da mesma forma como Obama foi eleito tendo a internet como grande instrumento de divulgação de ideias, ele vê, agora, a mesma internet incendiando o Oriente que, antes de mais nada, quer de volta as suas tradições, a sua cultura, a sua religiosidade, o seu espírito. E de nada adiantou nós, míseros e pretensiosos orientais, termos proclamado que são povos bárbaros, tribais, ignorantes. A milenar história egípcia, berço de tantos valores universais, começa a brotar ao pé das pirâmides. O Irã reconquista o Império Persa. Os palestinos resistem bravamente à infiltração do poder ocidental que tentou arrasar aquilo que foi a Grande Síria, que incluiu também a Grécia. Não são apenas árabes, mas todas as etnias mediterrâneas – berço da humanidade – que se levantam a partir da internet. E isso sem nos referirmos ao formidável Império da China que renasce de suas cinzas.

A estrela de xerife do mundo não está mais no peito de Barak Obama. Cada povo terá os seus próprios xerifes orientais, conforme seus desígnios e seus desejos. Se quiserem ser teocracias, por que não respeita-los? Ou não há, no Ocidente, também um império cristão, com leis morais que emanam do Vaticano? A estrela de xerife, portanto, deixou de ser prioridade de John Wayne.

A internet se tornou o mais democrático e eficiente instrumento de libertação do mundo. Incontrolável, indomável. Em poucos instantes, milhões de pessoas interligam-se e tomam decisões. Enquanto isso, o “Estadão” – na sua pretensão de ditar normas para o Estado brasileiro – orgulha-se de estar com uma tiragem diária de 320 mil exemplares. Para todo o Brasil. E, nas últimas eleições, foram 135.800.000 brasileiros que decidiram sem ler o “Estadão”. A estrela de xerife também não é mais exclusividade dos veículos impressos. Alguém no twitter pode acender o fósforo que, mais rápida e eficientemente, incendiará o barril de pólvora do mundo. Bom dia.

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