“In Extremis” (51) – A Terra em trabalho de parto

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(imagem de Arek Socha, por Pixabay)

Passei a acautelar-me, quanto ao aprendizado das coisas, ao refletir, mais profundamente, sobre a advertência dos sábios: “Se buscas o conhecimento, prepara-te para a insanidade.” A ânsia de querer conhecer – tão natural no ser humano, como se fosse um castigo – conduz ao que me parece ser um desnorteio, à perda de certezas e convicções. E o mais doloroso de tudo – em minha opinião e experiência de vida – ao desmoronamento da magia. A Era do Iluminismo contribuiu para isso ao transformar a razão humana na única luz para orientar a humanidade. Weber apreendeu, mais do que ninguém, esse “desencantamento do mundo”.

Um episódio, marcante para mim, ocorreu quando da chegada do homem à Lua, aquela conquista empolgante e assustadora. Um idoso queridíssimo por todos, Gijo Furlan – de inocência cativante, de ingenuidade comovedora – foi à redação de O Diário, logo à manhã seguinte, enraivecido: “Você é um mentiroso! É mentira que o homem chegou à Lua? Isso é impossível!” Gijo não admitia lhe fossem destruídos sonhos e ilusões. E, hoje, posso confessar: dentro de mim, havia – misturada ao espanto da formidável conquista – a tristeza de saber findos mistérios, lendas, mitos que envolviam a nossa poética e intocável Lua. São Jorge lutando contra o dragão, cadê?

Decepção e tristeza maiores, no entanto, eu as tive em Fortaleza. Foi na década de 1980, quando – abatido por mil massacres e pisoteamentos políticos – tentei alterar meus rumos, buscando ares novos para purificar alma e pulmões. Associando-me a um grande escritório em São Paulo, a mim me coube dirigir atividades em pontos tidos como estratégicos, Rio, Brasília, Fortaleza. Pude conhecer os chamados grotões do Brasil, belezas morais e espirituais, ao lado de pobrezas revoltantes. Mas essa é outra história, talvez mais reveladora, apesar de amarga.

Pois bem. Em Fortaleza – para onde ia com frequência – hospedava-me em um hotel na Praia da Iracema. Conheci, então, um mágico que, na praia, fazia maravilhas com seus conhecimentos. Era, ele, sedutor. E sua magia, hipnótica. Tanto ia, eu, vê-lo que nos tornamos muito próximos. E passei a atenazá-lo, querendo aprender, buscando o “conhecimento” das mágicas. E o homem me advertia: “Não queira aprender, você irá decepcionar-se.” Mas insisti, prometendo-lhe que, se me ensinasse, eu compraria seus artefatos. Meus filhos eram crianças, adolescentes e eu queria surpreendê-los como pai mágico. Aprendi. E foi outra das tristes decepções de minha vida. Eram truques tão simples, que qualquer criança haveria de fazê-los. Um mundo meu, o da magia, ficara desencantado.

Na já tão longa vida, penso ter aprendido coisas que se não ensinam em livros e em escolas. Mas aprender nem sempre significa saber. Há mistérios demais, segredos que se não revelam. A vida, ela mesma, é um mistério, pelo menos como a vejo. Aliás, ciência e religião o que fazem senão mergulhar em mistérios? A ciência, para desvendá-los; a religião, para cultuá-los. Nestes meses amargos, vivemos, entre perplexos e assustados, o mistério de um vírus assassino. Enfrentamos os espaços, vagamos entre as estrelas – mas fomos pegos por um minúsculo inimigo que nos conduz e induz à mais profunda humildade: “tudo que sei é que nada sei”.

O vírus atirou-nos ao fim do mundo, ao fim de um mundo. A Terra – na sua misteriosa sabedoria – está em trabalho de parto. A Terra parteja o que haverá de ser um novo mundo. Nada mais nos cabe senão aceitá-lo, com a humildade que nos faltou para viver nesse velho mundo que se extingue.

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