A arte de viver

Indagou-me, um generoso grupo de jovens, sobre a caminhada de um homem em direção à velhice. Se há perspectivas, alegrias, desejos, esperanças. Ou apenas tristezas, saudade, cansaços.

Milhares de testemunhos, ao longo dos séculos, alertam-nos para o imensurável valor do belo na vida humana. O belo e o bem caminham em paralelo. E norteiam a trajetória do homem no mundo. Quanto mais, portanto, procurar-se o sentido da vida, mais distante estar-se-á de encontrá-lo. Pois a vida é dom, graça, presente.

No entanto, para entender a grandiosidade da bênção de viver há que buscar-se a sabedoria. E, por menor seja, é ela  que permite encontrar belezas nas pedras do caminho, nas águas, nas cores, na própria tristeza. E na saudade, e no seu semelhante. A pouco e pouco, a sabedoria ensina a maior das artes: a arte de viver. E, então, o homem se torna o artífice de sua própria vida. E entende, finalmente,  precisar da beleza para não se desesperar.

Por estranho possa parecer aos jovens, a realidade é não ser, o tempo,  empecilho para a alegria de viver. Nem sequer me refiro à felicidade, que esta se revela apenas em momentos ou épocas da vida. A plenitude não é dada ao homem em sua finitude. Viver com alegria – contentando-se com as maravilhas ocultas no cotidiano – é a consequência da arte de viver, mais fácil de aprender doo que se pensa. Estar de olhos abertos para o mundo e a vida, e de ouvidos atentos aos mistérios e milagres que nos rodeiam é, na simplicidade disso, fruto da arte e da sabedoria de viver. Tais riquezas  – numa época loucamente materialista  – permitem o discernimento em relação a valores e princípios. Valores mudam, transformam-se e até mesmo desaparecem.  Isso não terá qualquer importância se  princípios forem mantidos, se as raízes permanecerem.

Aos 78 anos, admito  não saber falar a respeito de idade. Tive e tenho problemas de saúde.  Mas isso pouco  significa se  continuar viva a paixão pela vida, conseguindo render graças por aquilo de belo que se vê  e que se ouve,  embora lamentando o suicídio do Ocidente.

Considero-me, ainda, um aprendiz. Porém, esse poucochinho de sabedoria –  colhida na vivência, no sofrimento, nas lutas –  fortalece a busca da arte de viver. E um sentimento maior avulta: a compaixão. Que permite compreender  a dor e a alegria do outro. Isso mantém aceso um fogaréu que aquece a vontade de ficar por aqui: o do inconformismo, o da capacidade de indignação

Na velhice, é como se, de certa forma, a infância retornasse. E, com ela, o deslumbramento diante de coisas e de pessoas. Especialmente das pequeninas coisas, pepitas de um tesouro permanente que a mocidade  não nos deixa enxergar. Viver cada dia como se fosse o último e o primeiro, eis parte do segredo. E vivê-los gulosamente.

 

2 comentários

  1. Antonio Carlos Danelon em 22/05/2018 às 09:43

    Fantástico. Para falar isso tem que estar na estrada.

  2. Amadeu Provenzano Filho em 24/05/2018 às 20:26

    Vi uma fala do Dr. Eurycledes de Jesus Zerbini, provavelmente no Roda Viva da TV Cultura, onde ele dizia: que “Deus deveria ter feito os seres humanos nascerem velhos, porque nasceriam cheios de sabedoria, e morrerem crianças, porque morreriam cheios de pureza”. O Dr Zerbini, já falecido, foi o médico brasileiro a realizar o primeiro transplante de coração no Brasil. O texto do nosso querido Cecílio Elias Neto, tão lúcido e rico, me remeteu ao que ouvira do Dr. Zerbini

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