Bença

Parece-me ouvir sussurros: “coisa de saudosista”.  Não o sou. No entanto, vejo-me, cada vez mais, construído pela saudade. Saudosistas e saudosismo querem o retorno ao passado, temerosos de a vida continuar. Saudosos, porém, somo-lo todos nós, cada um à sua maneira, na querença, outra vez,  de algo ou de alguém. Crianças, à medida que crescem, têm lembranças de um ontem qualquer e, com elas, vem a saudade. De um afago, de um passeio, de um brinquedo – carinhos, lugares, bonecas substituídos por outros.

Reporto-me muito e quase sempre – quando a oportunidade surge – a uma inesquecível conversa com Thales de Andrade, o nosso amado escritor, com o qual deu-me, a vida, o privilégio de coexistir. Em casa de meus pais, ouvi Thales falar de seu livro “Saudade”, preciosidade da literatura infantil brasileira. E, como sempre me acontece ao mencioná-lo, comovo-me. Pois Thales era uma pessoa humana comovedora. Parecia exalar bondade. E quanta generosidade! A ele, devo um dos momentos mais importantes de minha vida literária, uma tão paternal atitude de Thales que se me tornou  uma corrente de água límpida a impulsionar-me os sonhos. Mas essa é uma outra história, talvez ainda mais bela para mim, porém desnecessária agora.

Antes de “Saudade” ser publicado, amigos de Thales disseram-lhe para mudar o título, alegando ser, a saudade, um sentimento desconhecido às crianças. Thales discordou e, professor primário que era, consultou seus pequeninos alunos da escola rural. “Você sente saudade, Zezinho? E Zezinho: “Sim, das férias no sítio de minha avó.” E Joãozinho: “Do doce de goiaba de minha tia.” E, do fundo da classe, Pedrinho: “Tenho saudade de minha mãe que morreu.”

Saudosistas, pois, podem viver equívocos.  Saudosos, porém, somos todos nós, construídos pelo passado que nos marca, parecendo preparar-nos, dolorosamente, para a existência desafiadora. A saudade tem, em meu entender, uma riqueza incalculável quando nos serve de referencial, aquela “vontade de outra vez”. Ora, ninguém tem saudade de coisas ruins, de dores, de tragédias. Ninguém as deseja “outra vez”. São o bom, o belo, o agradável, o generoso, o cordial, o afetuoso – que deixam saudade, que nos marcam, de alguma maneira, para vivê-los novamente. Ou  procurá-los ao longo da vida. ,

Admito possa ser tolice minha – apenas mais uma, das tantas que me acompanham – , mas,  quando se aproxima o “Dia das Mães”,  vejo-me perguntando, temerosamente, do que teria saudade a infância atual.   Um sanduíche no McDonalds deixará saudade? Um passeio no shopping? Haverá saudade de comida de mãe?

Sei lá, eu, um escrevinhador que quase mais nada sabe.  Mas, ainda hoje, é-me insuportável o silêncio de quando, antes de me deitar, balbucio: “Bença, pai; bença, mãe…”  Existe, ainda, o “Deus o abençoe, filho”?

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