Cada um com o seu Pokémon
Quanto mais avanço em anos — e quanto mais, também, mergulho nos mistérios mitológicos — mais me convenço da profunda sabedoria de nossos ancestrais. Toda a história humana, em meu entender, já foi contada. Através de lendas, de mitos, de fábulas, de metáforas. E de ficções tão maravilhosamente romanceadas que se tornaram reais.
O ser humano repete-se a si mesmo em contextos diferentes. Aquela afirmação de “nada haver de novo sob o Sol” é mais verdadeira do que imaginamos, especialmente em nossa era de tão pouca imaginação. O homem das primitivas cavernas naturais é, agora, o homem das cavernas artificiais. A diferença, talvez, deva estar no fato de as cavernas primitivas terem servido de abrigo, ao passo que as atuais surgem como jaulas aprisionadoras. E não é sutil a diferença entre abrigar e aprisionar. Mas, sei lá…
Ao confundirmos o fato com o mito, perdemos a própria vida. A história de Adão e Eva é um fato ou um mito? Se entendida como fato, é impossível de ser aceita pela inteligência humana. No entanto, como mito é uma das mais exemplares lições da história humana. Nela, está o sonho de um paraíso, a bem-aventurança de um mundo perfeito, a vocação humana para a felicidade e, ao mesmo tempo, o orgulho, a perda, a desobediência, a infração, o mal. Aquilo que parece ter sido ainda é.
Verdade é palavra que deveria ser escrita no plural, alguém já nos disse. Pois não há apenas uma, a menos que aceitemos sujeitarmo-nos a tiranias ideológicas. Aliás, até hoje, ecoa como estrondo estarrecedor o silêncio do Cristo quando Pilatos lhe pergunta: “Que é a verdade?” É a sabedoria do silêncio diante dos segredos e mistérios da vida. Na realidade, não ter respostas é, para quem busca a sabedoria, a principal maneira de, algum dia, vir a encontrá-las. Quem sabe?
De minha parte, o que — até bem pouco tempo — me parecia perplexidade se me tornou aceitação, uma forma compassiva de admitir a incapacidade de compreensão. Ora, se não compreendo, o que me resta senão aceitar? Se não posso mudar, que posso fazer senão me adequar, no árduo exercício de manter o que me parece verdadeiro com o que ainda me é desconhecido? Filósofos chamam algo assim de “douta ignorância”, maneira inteligente de reconhecer os limites de seu conhecimento.
Diante dessa questão é que me reporto a Eva e a Adão, ao mito da “Árvore do Conhecimento”, a do Bem e do Mal. Comer do fruto dessa árvore é cavar a sua própria sepultura. Ainda hoje. E, certamente, até o fim dos tempos. Pois, querer conhecer é o inferno diário, o tormento que espicaça a alma, que amarga o coração e dilacera a inteligência. Convive-se com o conhecimento como técnica, mas é doloroso ousar busca-lo como plenitude. Doloroso e inútil pois, em resumo, o que se busca é a verdade. E a verdade, que é ela?
O nada conhecer é — como sempre, sei lá eu — talvez, a mais bela maneira de viver. Eva e Adão foram felizes em sua ignorância, nas simples e doces alegrias de um jardim. E desgraçaram-se ao comerem um pedacinho do conhecimento, como um fruto desejável. A partir de um simples bocado, quiseram mais e perderam o muito que tinham. Pois a fome do conhecimento é insaciável e, assim sendo, persegue o ser humano até o fim de seus dias. A menos que ele consiga aproximar-se da “douta ignorância”, essa que se contenta em “saber que nada sabe”. E que nunca saberá.
E não é que me enveredo pelas trilhas de tais reflexões por causa dos Pokémons? Eles — brinquedinhos de ficção — tornaram-se os novos ídolos universais, verdadeiros deuses aos quais se dão plena dedicação e tempo quase integral. Exercem tal sedução que se tornaram reais, verdades concretas no cotidiano de multidões. São mitos em formação. Os Pokémons não passam de ficções que, parecendo reais, existem sem ser verdadeiras. Como os deuses, como Papai Noel, como céus e infernos. Entraram em nossa história e, no futuro, poderemos ser vistos como uma humanidade que “acreditou em Pokémons.”
Gosto disso. Parece-me, hoje, ser uma grata solução. Como o futebol, o jogo, as drogas. “Caçar Pokémons” é mais salutar, mais saudável, mais inteligente do que votar em políticos. Pokémons alegram as almas, não exigem perguntas, pois são, eles mesmos, as resposta prontas. Políticos são a realidade em forma de farsa. Um caminho para a “douta ignorância” talvez esteja em trocar políticos por Pokémons. Cada um com os seus. Por que não?