E “estamos em jogo”

Há décadas, vivo diante de uma dúvida que se me torna existencial: a inteligência humana. São lendas demais tentando explicar o surgimento, a criação da raça humana. E mitos sem fim. Neles, sem exceção, há a presença inexorável de um criador ao qual, conforme culturas e civilizações, se dão diversos nomes. E é dessa fonte geradora que surge o homem, transformado em “rei da criação,  imagem e semelhança de seu criador”. Não entendo nada.

A dúvida  me acompanha: admirar a burrice ou a inteligência humanas?  É – parece-me – como se um sadomasoquismo impulsionasse e alimentasse as civilizações, em especial as ocidentais. A beleza é esquecida ou repudiada pela força de atração do feio. A tristeza é celebrada com os mais estranhos rituais, enquanto tenta-se conter a alegria como se fosse um mal ou pecado.

Repito-me sempre. E penso que assim será até  o fim.  Portanto, volto a insistir em que a Copa do Mundo de Futebol –  com essa torrente de alegria banhando os povos –  provoca, pelo menos por um tempo,  o ressurgimento do espírito lúdico e generoso das gentes. A ”Mãe Rússia espraia maravilhas aos povos que lá se hospedam. Espíritos do “amor, alegria e paz” conseguem, pelo menos por enquanto, espantar as bruxas dos infortúnios, das tristezas, das misérias vergonhosas. O “homo ludens” vence o “homo politicus”, este que se tornou símbolo do negativismo.

A Copa do Mundo chega num momento de aturdimento nacional, encontrando-nos mergulhados no caos, órfãos de autoridade, um universo sem leis. Nas arenas russas, porém, o futebol mostra  o império das regras que, sendo pétreas, não permitem discussão. O jogador que não as cumprir é expulso ou desclassificado. E, se todos as desrespeitarem, o jogo acaba. Fosse assim também no jogo da política, esta teria acabado. Ou já acabou?

Na realidade, o jogo, na vida humana, é uma encantadora ilusão. Ilusão que, aliás, significa “em jogo”, o   “iludere” ou “inludere”. Viver, pois, tem que ser esse “estar em jogo”, obedecer as regras estabelecidas, criar comunidade de “jogadores”. Há, porém, sempre os “desmancha-prazeres”, os que insistem em abalar esse universo lúdico. Estes não podem participar, é preciso expulsá-los pois ameaçam a existência desta comunidade de jogadores. No futebol, o jogo é gracioso e, também, bruto. O jogo sujo merece expulsão. Seria bom se assim fosse na política internacional.

A alegria que a Copa  traz ao Mundo – onde tudo parece em suspenso para rir e sorrir – é testemunho palpável de ser possível viver em confraternização, em respeito, em dignidade. Essa ilusão não é apenas imagem, pois se revela real, perceptível, comunitária. Com o grande encontro mundial,  o Brasil “está em jogo”, vivendo  uma encantadora e paradoxalmente verdadeira ilusão. Se o jogo continuasse depois!

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