Genocidas

Corruptio Optimi Pessima - VentralQuando se fala em genocídio, a ideia recorrente é a do Holocausto durante a Segunda Guerra Mundial. Pensa-se em assassínio em massa de uma população ou de grupos humanos. No entanto, não se trata apenas disso. O genocídio ocorre, também, quando se aniquilam povos ou grupos de pessoas, submetendo-os a condições insuportáveis de vida.

No Brasil, essa teia de escândalos, de corrupção, de negociatas — envolvendo políticos, homens públicos, empresários — não mais deveria, por sua dimensão, ser considerada simples malfeitos, como, agora, se tornou moda classificá-la. O vulto dos assaltos à coisa pública revela-se como verdadeira endemia, algo que, tragicamente, se vai tornando parte da cultura de um povo acostumado à servidão.

Genocídio é crime de guerra. E estamos diante do genocídio de um povo — o brasileiro — que não consegue sair de seu secular atraso, continuando vítima da cultura da casa grande e senzala. Somos milhões de pessoas lutando para sair da miséria, com um salário mínimo aviltante, sem escolas dignas, com desprezível atendimento à saúde, inseguros diante de violências sem fim e cada vez mais acentuadas.

A realidade, nua e crua, é que – apesar das visões coloridas e poéticas a respeito de nosso país — o Brasil continua sendo a terra das desigualdades e das capitanias hereditárias. Há um imenso, imensurável feudo dividido entre coronéis modernizados, propriedades de famílias que se fazem, despudoradamente, herdeiras da coisa pública. A res-publica é entendida como cosanostra.

Em praticamente todas as áreas da vida nacional, a corrupção tornou-se norma. Desde o suborno ao guarda da esquina até os bilionários acertos político-empresariais, a corrupção é a moeda corrente. O próprio povo, indefeso — em número crescente — começa a usar de espertezas e de malandragens para sobreviver. Se os donos do poder podem, por que não pode o povo? Os romanos já haviam constatado: “corruptio optimi pessima” – a corrupção do bom é péssima. Eis aí, pois, a causa primeira.

Quando o Senado da República e a Câmara dos Deputados também são colocados sob suspeita — com seus presidentes sendo alvo de inquéritos, de denúncias e de envolvimentos sombrios — estamos diante do estremecimento letal das instituições democráticas. Quando bandidos assumem o poder, nada mais se pode esperar senão o desenvolvimento sistemático da bandidagem.

A sujeira não tem fim. E comprova-se, cada vez mais, a crueldade dos genocidas que levam o povo brasileiro a um estado de miséria material e moral permanente.

Quantas escolas, postos de saúde, obras de infraestrutura, quantos projetos sociais não poderiam ser construídos e realizados apenas com as fortunas desviadas por essas quadrilhas de bandidos? E como suportar que políticos roubem o sagrado, como os sanguessugas, a máfia das ambulâncias, das casas populares, da construção de escolas e, também, da merenda das crianças? Quem rouba o sangue e o pão de um povo não é simples ladrão, mas um genocida. Quantas lágrimas não seriam enxugadas ou não teriam sido derramadas? Quantos milhões de crianças não poderiam, hoje, estar mais felizes, diante de uma perspectiva de futuro menos sofrida?

O que, porém, me indigna ainda mais é constatar, melancolicamente, como manifestantes, cronistas, meios de comunicação ignoram, solenemente, o que acontece em Piracicaba. Aqui – pela inércia de manifestantes, de entidades, de instituições, de grupos populares – parece uma ilha de paz, de honestidade, de decência política. O silêncio generalizado disfarça a verdadeira Piracicaba, fazendo-a parecer casta e puríssima. Não temos corrupção, não temos roubos, não temos negociatas, não temos propinas, políticos e empreiteiros não fazem alianças. Aceitamos, submissos, pequenos grupos dominem, nas sombras, a cidade. Partidos políticos têm donos, cujas biografias pouco diferem dos genocidas de Brasília.

É uma coragem estranha, essa dos manifestantes e indignados de plantão. Estranha e conveniente. Pois, convenhamos, é muito mais fácil xingar a presidenta da República do que prefeitos locais; é muito mais cômodo vociferar contra deputados e senadores, do que apontar o dedo para o nariz de vereadores. Isso, aliás, confirma outra das tantas sabedorias evangélicas: “por que vês o cisco no olho do outro e não vês a trave no teu próprio olho?”

Deveríamos – antes de ir às ruas e delirar na internet – dar-nos, a nós mesmos, como presente, a Constituição que o grande Capistrano de Abreu propôs à Nação: “1° – Todo brasileiro deve ter vergonha na cara. Parágrafo único — Revogam-se as disposições em contrário.” Somos, sim, corresponsáveis. Pois tem sido o nosso voto que fomenta o surgimento dos genocidas.

Ora, “Mateus, primeiro os teus!” Mas na decência, não na canalhice.

1 comentário

  1. beocio123 em 08/04/2016 às 11:37

    Prezado Cecílio: realmente acho que temos de reagir. O momento atual nos causa uma apatia bizarra que nos impede de manifestar ao menos nosso intento de melhorias! Seu texto foi um belo alerta para o problema. Obrigada por que me fazer pensar e tentar uma ação
    possível.

    Carmen Pilotto

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