“In Extremis” (10) – “Esses moços, pobres moços…”

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O símbolo “hippie”: paz e amor. Este emblema foi criado na Inglaterra, com o significado de “Ban the Bomb” (Proíba a Bomba), slogan da campanha de desarmamento nuclear que aconteceu em 1958. Dois anos depois, com o surgimento do movimento “hippie”, o símbolo passou a ser utilizado por eles. [imagem: reprodução google]

Lupicínio Rodrigues é – apesar de desconhecido das novas gerações – um dos expoentes da música popular brasileira. Foi um desses fenômenos que nascem, inexplicavelmente, do ventre do povo. E, por isso mesmo, vive a palpitação da alma de nossa gente.  A expressão “dor de cotovelo” – conhecida de todos os verdadeiros amantes – diz-se ter sido de sua autoria. Pois, para Lupicínio, quem sofresse por amor terminaria amargando a tristeza em uma mesa de bar, apoiando a cabeça nos cotovelos, bebendo e chorando. De tanto sofrimento, os cotovelos doíam ao peso da cabeça.

Eram tempos das trágicas paixões. E Lupicínio – vítima, também, dessa agonia do coração – lamentava-se, em suas canções, da desgraça de amores perdidos, desfeitos, não acontecidos. Numa de suas mais desesperadas composições, ele, com o coração dilacerado, aconselhava a juventude: “Esses moços, pobres moços, ah! se soubessem o que eu sei. / Não amavam, não passavam, aquilo que já passei”. E lamentava-se das agruras do amor, que lhe deixaram rugas no rosto e mágoas sem fim. A canção é um lamento desesperado. Trágico.

Ora, tem-me dado, a vida, o privilégio de ainda manter contato com gente moça, adolescentes. Acompanhei jovens que se tornaram pais e avós. De muitos, conheci-lhes filhos e netos. E – numa surpresa também angustiada – dou-me conta de ter referenciais para perceber diferenças entre gerações. No entanto, o que mais constato são as semelhanças. Pois, ao contrário do que muitos idosos pensam, não estamos diante de uma geração apática, alienada, inútil. Há jovens maravilhosos, com ideais e sonhos bloqueados, atordoados diante da massificação escondida por trás de uma falsa universalização. É um paradoxo incrível: numa época de individualismos egocêntricos, jovens estão em busca de sua própria identidade. Quem sou eu? Onde estou? Para onde vou?

Não tenho receio de dizer que, cada vez mais, tenho visto e acompanhado jovens com medo do amor. Parece até que eles ouviram e acompanharam Lupicínio: “não amo, não vou passar aquilo que o poeta passou.” E o sofrimento é ainda maior, como vulcões querendo entrar em erupção e contendo-se para não explodir. Jovens sonham com o amor, com a liberdade, com a beleza, desejam-nos – mas são induzidos a colocar crostas no coração e na alma. Medo de amar, medo de ser feliz, medo do desconhecido e, enfim, medo da aventura de viver.

Como culpá-los, se a responsabilidade é nossa, das gerações anteriores? Os “hippies” de antes transformaram-se nos “yuppies” do depois. Cadê as flores nos cabelos, nos rifles, nos tanques de guerra, simbolizando o “faça amor, não faça a guerra”? Ora, não são os jovens que se imobilizaram por si mesmos. Fomos nós que os abandonamos, seduzidos por uma nova economia que substituiu o sonho pelo luxo, a solidariedade pelo consumo. Os jovens que, antes, se casavam acreditando “num ranchinho e você”, contentam-se com a frieza desalmada de um motel. Os casais que acreditavam em construir uma vida em conjunto – a primeira geladeira, o primeiro automóvel, a casinha própria – apenas se unem se a vida já estiver construída. O sólido, o material, o concreto substituíram o espírito. Somos corpos sem alma.

“Esses moços” são “pobres moços”, sim. E pobres por não lhes termos dado aquilo de bom, de belo, de humano que permitimos fosse soterrado por um materialismo estúpido, equivocado e suicida. A juventude já assumiu o seu direito de nos acusar, de nos julgar. E – ai de nós! – julgando-nos, os moços poderão nos condenar.

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