“In Extremis” (102) – O adorável Brasil com (e de) Pelé

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Pelé. (foto: reprodução Google)

Foi-me, ao mesmo tempo, balsâmico e entristecedor assistir ao documentário “Pelé”, da Netflix. Balsâmico por realimentar-me de uma época e de um país irradiantes de alegrias e de esperanças. E tristeza diante do horror que estremece o mundo e que abate o Brasil. Como foi possível? – perguntei-me, pergunto-me. Como foi possível um mundo e um Brasil com aquela energia alvissareira, quase frenesi? E como foi possível tudo ter-se desmanchado?

Por falta de explicação lógica, apoio-me na visão analógica, maravilhosamente mítica de nossos ancestrais. Eles já se extasiavam com os quatro elementos: água, terra, fogo, ar. E entendiam que a água – mares, lagos, rios – existia para abrigar os peixes. A terra, criara-se, ela, para morada dos seres vivos, homens, plantas, animais. O fogo, para aquecer, incendiar, transformar o cru no cozido. E o ar – eis aí, a grande resposta – fora criado para abrigar os seres espirituais, os anjos, que habitam os espaços. Mas – lembrei-me – diabinhos são, também, seres espirituais.

Os anjos resolveram fazer uma grande festa, um festival de belezas, de maravilhas – que se tornaram conhecidos como “Anos Dourados”. E os diabinhos uniram-se para estragar tudo, para infernizar a vida do planeta. Ainda estão por aí, mas os anjos sempre voltam, no “eterno retorno” de tudo o que é bom. Pois bem. Pelé foi essa criação única, singularíssima da mais criativa legião de anjos, então borboleteando no ar. Os anjos foram pretensiosos demais – aliás, sempre houve anjos pretensiosos – e resolveram inventar uma criatura sem igual, em nada semelhante àquela do Criador, que fizera o homem à sua imagem e semelhança. Pelé não seria imagem de nada, de ninguém. E sem qualquer semelhança com o que já houvesse criado. Pelé seria Pelé. E os anjos o inventaram.

Podem duvidar dessa minha visão. Mas é a única explicação em que posso apoiar-me para uma narrativa até mesmo pobrezinha do que foram aquele tempo e aquele mundo de maravilhas. E do quê e de quem foi Pelé. Sim, esse Pelé que, em seus 80 anos, temos visto em cadeira de rodas. Ora, se o próprio Deus judaico-cristão-islâmico descansou no sétimo dia, por que negar-se, a Pelé, o repouso aos seus 80 anos? Mas não é sobre isso que eu quero escrever.

Com uma bola, Pelé revolucionou o Mundo, encantando-o. Pelé foi recebido por presidentes, ditadores, reis, rainhas que se juntaram às multidões de todos os quadrantes para render-lhe homenagem. Para ver Pelé, duas guerras foram interrompidas. Durante a ditadura brasileira, Pelé foi alegria, consolo, conforto, esperança – mesmo que ele nunca se tivesse pronunciado, ainda que politicamente usado por ditadores. Aliás, Pelé quase nunca pareceu falar racionalmente. Ele falava com o coração. E causava confusão. Por exemplo: todo o universo político protestou quando ele disse que “brasileiro não sabe votar”. E daí? Será que aprendemos a fazê-lo?

Quando se falava do Brasil, falava-se de Pelé. E, falando-se de Pelé, falava-se do Brasil. E não nos esqueçamos: o futebol é o esporte que consegue sintetizar as paixões humanas. Universalmente. Pelé foi o mais competente embaixador brasileiro a revelar, ao mundo, a vocação brasileira para a beleza, para a harmonia, para a confraternização. Assim era aquele adorável Brasil com Pelé. De Pelé.

Agora, porém, vibra em mim o grito rouco de Castro Alves e tento torná-lo meu: “Brasil, ó, Brasil de Pelé, onde estás que não respondes? Em que mundo, em que estrelas tu te escondes, embuçado nos céus. Onde estás, meu Brasil”?

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