In Extremis (106) – Pomo de Adão e a maçã

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(imagem de Mircea Ploscar, por Pixabay)

Quando me reporto a experiências anteriores, a algumas delas digo pertencerem àqueles priscos tempos. Pois – diante de pretensiosos que acreditam o mundo estar começando com eles – fico acho que meio aparvalhado. Ora, já se inventou a roda há milhares de anos. Já despertamos para a escrita há séculos sem fim. E – por incrível possa parecer – o sexo existia, era vivido e, desde o início, sempre causou problemas. O exibicionismo da nudez feminina é antiquado demais. Os nossos gênios da pintura, da escultura reproduziram, maravilhados, a beleza da mulher desde as cavernas. Na verdade, na verdade, para mim, “está tudo como d´antes no quartel de Abrantes”. Mais sabiamente ainda, já nos fora revelado: “Nada há de novo sob o Sol”.

Na realidade, estou, apenas, tentando explicar-me, como jornalista de tempos que me parecem quase imemoriais. Primeiramente: nunca se deu, ao jornalista do século passado, o pretexto de alegar falta de assunto. Como, faltar assunto? Absurdo, pois “uma folha que cai estremece as estrelas”. Um pobrezinho pedindo esmola revela a profunda, a imensa, a absurda injustiça social, fruto de economias desumanas. Um buraco na calçada é notícia, pois, nele, alguém poderá tropeçar e machucar-se. O barulho das ruas exige discussão, causa que também é de angústias, de irritações, de descontroles emocionais. A vida é notícia. A principal de todas. Mais, muito mais do que a morte, esta que parece ter preferência no noticiário mundial. Há colunas de falecimentos. Por que não a de nascimentos?

Não ter o que escrever, falta de assunto isso, pois, não é justificativa para aquele cujo ofício é exatamente escrever. Podem ocorrer – e ocorrem – o cansaço, a exaustão, o desânimo. São nossos limites humanos. Mas assunto sempre existe. Pois a Vida explode em tudo, explosão de beleza. Até mesmo nas pedras. Pois bem. Não posso, não vou, não quero alegar falta de assunto. Muito pelo contrário. O que me angustia é a abordagem, a maneira de fazê-lo. Pois a missão jornalística é a de informar formando. Colaborar para a formação. E, nesse momento tão angustiante, como colaborar, como auxiliar na interpretação dos acontecimentos, como acender lampiões para um pouco de mais luz? Eis a angústia.

Não sei a resposta. Confesso estar confuso. Sei, porém, que – apesar de nós, apesar do vírus, apesar das idiotices e maldades de governantes – a Vida continua. E, como sempre, à nossa disposição. À nossa espera. O vírus é uma contingência que, agora, se tornou problema. E, em se revelando problema, desafia-nos à busca de solução. Pois se é problema, há que ter solução.

Enfim, eu ia escrever sobre o pomo de Adão e a maçã. Pois, não é que, em todo esse caos, aprendi porque se deu nome de pomo de Adão àquele caroço que os homens têm na garganta? É um pedaço da maçã com que ele se engasgou, assustado com a falta cometida. Eu não sabia. E a maçã foi o fruto que carregou o pecado original. Mas, por que a maçã, não outro fruto? E eis que aprendo com alguns autores: quando se corta a maçã pela metade, ela revela o que se assemelha aos genitais femininos. E, dando-se outro corte, a aparência é a dos masculinos. Comove-me saber ter havido eras em que o homem tinha tempo para pensar, imaginar, criar, inventar, produzir mitos e lendas…

Além de aprender o que é o pomo de Adão, confirmou-se-me aquilo que a vida já me ensinara e de que, quase sempre, me esqueço. A cultura inútil não é tão inútil assim. Pois traz leveza, encanto, doçura à vida. A maçã é mais poderosa do que o vírus…

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