“In Extremis” (124) – “Ninguém ama aquilo que não conhece”

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Engenho Central, em Piracicaba. (imagem: site “Refúgios do Interior”)

No último aniversário de Piracicaba, vi-me como um daqueles velhinhos apaixonados que, de tanto amor, não consegue ver o tempo passar. O velhinho olha para a mulher amada e lhe diz: “Parece que foi ontem, querida.” E ela, com 254 anos, fica toda feliz, catita, vaidosa sendo amada por um rapazola de mais de 80 anos. O amor não tem idade. Tanto assim que Piracicaba continua Noiva, a da Colina.

Nestas últimas semanas, porém, inquieto-me à lembrança do que vivi e senti ao escrever o livro “Rua do Porto, pia batismal de um povo.” A rua-mãe, aquela região mágica, privilégio de nossa gente. Havia tanto amor em mim, tal calidez enternecendo-me o coração que eu evitava concluir a obra. Foi, ao mesmo tempo e o tempo todo, declaração de amor e agradecimento pela ventura de viver nesse pedacinho de mundo. Sinais indefiníveis envolviam-me em todo aquele verdadeiro êxtase de escrever. Sentia-me abençoado por, naquele livro, cantar e contar um lugar, um espaço e uma história que são nossa herança. O livro seria, pois, a minha contribuição para as novas gerações cuidarem do precioso jardim.

Desde quando o sr. Prefeito ordenou “ocupar os espaços vazios do Engenho Central”, tive medo. E permaneço assustado. Pois ainda vive em mim a indignação diante da destruição do histórico Hotel Central. E o sr. Prefeito carrega herança daquela tragédia. Ora, o Engenho Central não são simples ruínas e, por si mesmo, não tem importância absoluta. O Engenho é parte – como componente fundamental – de toda aquela região idílica à beira rio, onde plantado foi o umbigo da nossa terra. Ali está a identidade do povo piracicabano. Se mediocrizarmos, se banalizarmos esse relicário, Piracicaba deixará de ter a magia irresistível que a tantos cativa e seduz. A vasta região da Rua do Porto é a nossa pia batismal, a oca de nossa tribo, o centro de nosso mundo. Banalizando-a deixaremos de ser o que somos. E somos, sim, uma cidade e um povo privilegiados. E, por isso mesmo, especiais.

Insisto em “centro do mundo”. Cada povo tem o seu centro, vive nele, depende dele. Para o piracicabano consciente das graças recebidas, o rio Piracicaba é nosso Ganges; a Pinacoteca, nosso Louvre; a ESALQ é mais do que Harvard ou Sorbonne; o nosso linguajar mais sonoridade tem do que o canto do uirapuru. É assim. E, se assim não for, nada mais terá importância, dando vez, apenas, aos que se envaidecem com sua própria ignorância. Um herdeiro há que ser digno da herança recebida. Somos herdeiros de uma história admirável. Não podemos permitir seja profanada. Seja por quem for.

“Ninguém ama aquilo que não conhece.” – eis a sábia reflexão de Agostinho de Hipona. Apelo ao sr. Prefeito: que tenha olhos mais amorosos de ver e entender esse nosso espaço sagrado. Piracicaba não é empresa a ser administrada, objetivando lucros. Piracicaba é a história de um povo. Ela é o nosso povo, a nossa gente, herdeiros de um passado que nos impulsiona a pensar grande, a sonhar alto, a honrar nossas conquistas. Nenhuma autoridade tem o direito de ignorar Piracicaba em suas raízes, em seu ventre. E, muito menos, abastardar um patrimônio de 254 anos, riqueza da Rua do Porto.  E no Codepac, como foi, isso, possível? É ação entre amigos ou agressão proposital? Horror!

Inexperiência político-administrativa não dá permissão para violar tesouros.  Quem o fizer será profanador do sagrado. A História cobra. Para governar Piracicaba, é preciso conhecê-la. Que o prefeito e o seu secretário procurem aprender pelo menos um pouco.

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