“In Extremis” (128) – Despetalando a “Flor do Lácio”

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(imagem de Gerd Altmann, por Pixabay)

É limitante demais falar-se do Brasil apenas como um país e um Estado. Precisamos – e, ardentemente, creio nisso – olharmo-nos como nação. E esta não é formada apenas por um povo e um território, apesar de estes serem elementos constitutivos essenciais. Uma nação há que conter valores comuns espirituais, morais, éticos que lhe dão identidade própria. Assim, um povo, num território, passa a ter uma história própria, sua moeda, características étnicas e culturais. A língua é um dos elementos constitutivos também da nação brasileira, um dos elementos naturais. Ao se permitir seja violentada, abre-se espaço para a perda da identidade e da soberania nacionais.

A língua assemelha-se a um código coletivo, pressupondo, portanto, uma comunidade, a chamada “massa falante”. Ora, isso não significa seja, a língua nacional, inamovível, intocável, pétrea, imune a influências. Especialmente em nosso momento histórico, a língua está sujeita à multiculturalidade, característica de uma ainda indefinida aspiração globalizante. Somos influenciados e influenciamos. Mas o intercâmbio cultural está longe de admitir a renúncia a valores fundamentais, dos quais a língua é um dos elementos essenciais. O Brasil tem permitido, aceleradamente, o desrespeito à língua. Trata-se de uma quase sujeição. Ou de indiferença irresponsável.

A palavra “mídia”, por exemplo, é, em meu entender, o mais gritante exemplo desse desleixo. A palavra é latina, popularizada pelo livro “Mass Media” (meios de comunicação de massa), de Marshall McLuhan. O filósofo instituiu a frase que se tornou famosa: “o meio é a mensagem”. MacLuhan usou a palavra latina “media” (meios), que é o plural de “medium” (meio). Simplificando: medium = meio; media = meios. Os estadunidenses, no entanto, usaram a pronúncia inglesa (“mídia”) para a palavra latina “media”, cuja pronúncia é “média”. E os brasileiros repetem os gringos, dizendo ser “mídia” o que, na realidade, é “média”. O ridículo deveria envergonhar-nos.

Absurdo seria não reconhecer o inglês como língua internacional. Ocorre, porém, que em todo o processo de dominação cultural – que precede o controle político-econômico – a fragilização da língua nacional é um dos grandes passos para a sujeição. Isso ocorre durante as guerras. Nelas, a invasão cultural é dominante. E tornou-se clássico o uso que o Pentágono fez de Hollywood para atrair mentes e simpatias. A propagação do “american way of life” tornou-se verdadeiro padrão universal de comportamento, uma aspiração.

É natural adotarmos expressões tecnológicas. Quando assimiladas, hão, porém, que ser “nacionalizadas”. Assim ocorreu com a influência francesa: o abajur, o randevu, a matinê, tantas outras palavras e expressões. Do delicioso “ciao” italiano, fizemos o tchau. Do britânico “football”, nosso futebol. Do “goal”, gol. Aportuguesamos palavras de origem árabe, iniciadas com “al”: alquimia, alcateia, almanaque, almôndega, alface, entre outras. Os estrangeirismos enriquecem a língua, mas há que se evitar prostituí-la. Millôr Fernandes já assumira esse cuidado ao “nacionalizar” a palavra “site”, grafando-a como saite. Assim, fazem-no os povos de língua espanhola, zelosos da língua pátria.

Parece-me desrespeitoso aos valores nacionais o que faz um novo canal de tevê com o título de alguns de seus programas: tonight, breaknews, prime time. Isso – mais do que despetalar a nossa “Flor do Lácio, inculta e bela” – esmaga-a cruelmente. Quando não se rega, a flor morre. Pode ocorrer com a ‘Flor do Lácio”.

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