“In Extremis” (131) – A inspiradora decisão final

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Voltaire deixou gravada a, para ele, “única solução”: a de “cultivar nosso jardim e deixar que o mundo enlouqueça lá fora, já que ele não tem remédio”. (Imagem de MireXa, por Pixabay)

Costumo dizer – até para tentar convencer-me a mim mesmo – ter adquirido a “filosofia de UTI”. Digo-o por tantas vezes ser levado àquele lugar solitário onde a única verdadeira companhia é a de si mesmo. Na primeira, segunda vez, fica-se apalermado. Depois, cria-se certa intimidade. E, então, os pensamentos voam soltos. Busca-se não mais perturbar-se com o incompreensível. Pode-se, daí, inventar, fazer de conta e – na mais formidável sensação de poder – criar mundos próprios. Ou seja: mundo feito à imagem e semelhança do sonhador.

Foi quando criei, para mim, teorias que, ainda agora, me satisfazem. Sobre o Tempo, uma delas. Estou à vontade com o Tempo. Entendo não ser ele que passa, mas nós que passamos por ele. Vamos passando, passando, dia a dia. A partir dessa minha lógica, comecei a entender que, portanto, viver é uma viagem. Nada mais do que isso. E, em sendo viagem, há que se aproveitar o melhor que ela nos oferece.

Lá atrás – adolescente e passeando pelo tempo – empolguei-me com histórias revolucionárias dos ancestrais. Eram os colonos dos Estados Unidos rebelando-se, em 1776, contra a Inglaterra – a “pérfida Albion” – e tornando-se independentes. E, para mim, a mais fascinante: a Revolução Francesa, em 1789. Aqueles heróis, mártires, grandes personagens: Washington, Jefferson, Benjamin Franklin, John Adams, nas colônias estadunidenses. E, na França, a inteligência profunda e revolucionária de Montesquieu, Diderot, Voltaire; a Bastilha, o Iluminismo, a Marselhesa, a guilhotina… E minha curiosidade quase doentia para saber de Voltaire, sempre Voltaire.

Foram os padres salesianos que me atiçaram, tanto mal falavam de Voltaire, tanto renegavam-no, “um ateu”. Por que a hostilidade, tal estigma? Aconselhei-me com o notável Leandro Guerrini, primeiro diretor de nossa Biblioteca Municipal, a pioneira no interior paulista, essa mesma que inconsequentes tentam desvalorizar. O professor Leandro, amigo de minha família, orientava-me com livros que os padres nos proibiam ler. Um deles: “O crime do Padre Amaro”. Quanto a Voltaire, no entanto, meu orientador foi cauteloso: “Não, Voltaire, não. Ainda é cedo pra você.”

E lá me fui, eu, ao longo da vida, à espera de quando me viesse um mínimo de competência, maturidade – sei lá! – para ler a obra de Voltaire. E o dia chegou! Foi quando me deparei com o “Dicionário Filosófico”, de Voltaire. Passei a lê-lo em conta gotas, absorvendo cada palavra, cada pensamento. De ateu, Voltaire não tinha nada. No entanto, era um feroz adversário daquela Igreja da época. E, aqui entre nós, ele tinha razão. Igreja e Poder, Igreja e Monarquia eram irmãs siamesas. Mas fico por aqui.

Atualmente, o que realmente me importa é a escolha final de Voltaire, sua última opção. Ele se cansou. A Revolução caminhara para a balbúrdia total. Foi ao término do seu livro icônico, sobre o infeliz Cândido. Voltaire esfalfara-se no movimento que transformou o mundo, o da “liberdade, igualdade, fraternidade”. Sinto inveja. Pois, pobre escrevinhador caipira, cansei-me de tanta mediocridade, de tanta pequenez, de tanta incompetência. Lá em Brasília. E aqui. Imagine oferecer-se a Pinacoteca para abrigar a Polícia Federal; querer “ocupar” o Engenho. E, agora, o alcaide mandando novamente asfaltar ruas que conduzem à sua própria casa… O que há de mais antigo?

Voltaire deixou gravada a, para ele, “única solução”:  a de “cultivar nosso jardim e deixar que o mundo enlouqueça lá fora, já que ele não tem remédio”. Preciso aprender.

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1 comentário

  1. Homero José Rochelle em 29/09/2021 às 17:58

    É oportuno ler “Babuc – O Mundo como está”, de Voltarire.

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