“In Extremis” (133) – Deliram, ainda, os jovens?
Lembro-me deles quando crianças. São, agora, adolescentes. E estranho ao vê-los curvados, cabisbaixos, quase corcundas. Penso numa reflexão de Saint-Exupéry, ainda na metade do Século XX: “novos bárbaros divertindo-se com novos brinquedos”. Já eram frutos da ciência e tecnologia, culminando no horror da bomba atômica.
De certa forma, somos, realmente, novos bárbaros surgindo em cada geração. Desde pequeninos, parecemos viver com a nostalgia de Deus, criando novos mundos. A ciência e a filosofia já moram na criança quando ela pergunta o porquê e o como das coisas. Viver, pois, é a grande aventura. E a adolescência, o momento de um frescor humano todo feito de alegrias, descobertas e de angústias. Adolescer é delirar. É viver seus fascinantes delírios.
Vendo aquelas crianças adolescerem, penso em quais poderiam ser os seus delírios. Pergunto-me, em dúvidas: será que deliram, sonhando, inventando? Ou apenas vivem o automatismo das pequenas maquinetas, dos celulares? Ombros curvados, cabisbaixos em seu olhar para as máquinas, será que, pelo menos, olham para o alto em noites estreladas? Será que, como as crianças de antanho, têm verrugas nos dedos de tanto contar estrelas? Ah! “ver (e ouvir) estrelas”, suspiros de Bilac.
A adolescência de minha geração aconteceu num tempo todo feito de maravilhas dos “anos dourados” e terrores dos “de chumbo”. Mas carrego delícias de tantos e tantos delírios, de tantos amores impossíveis, de tantas paixões latejantes. A cada amanhecer, eu queria ser um herói, realizar grandes façanhas. E, assim, transmudei-me em todos os que admirei. Fui Tarzan, encantado com Johnny Weismuller: tornei-me nadador, saltei de galho em galho, caí, fraturei a clavícula. Fui John Wayne e prendi e “matei” índios nos quintais de nosso quarteirão. Com uma toalha nos ombros, tentei ser o Superman e estatelei no chão. Fui Paganini, tentando aprender violino. Fui Lizt e Chopin, dedilhando o teclado de piano. Fui zagueiro do XV, imitando o nosso herói, Idiarte. E substituí Baltazar, no comando do ataque do Corinthians. A cada amanhecer, no entanto, tudo se apagava. Mas foi bom.
E o amor? Ah! de amor, quanto sofri já na infância, paixão por Dona Romilda, primeira professora. E não parou mais. Amei desesperadamente a Ava Gardner, odiando o Frank Sinatra que se casou com ela. Senti-me traído. O fato é que, ainda machucado, me apaixonei por Caroline de Mônaco, a princesa. E foi amor platônico, de veneração. Mas ela me ignorou, casando-se com um aventureiro italiano com quem não foi feliz. Eu, sim, saberia amá-la como uma deusa! Não consegui, porém, amar a Sophia Loren. Areia demais para um caminhãozinho iniciante…
Quais seriam, hoje, os delírios dos adolescentes? Seus desejos, buscas, esperanças, sonhos? Não creio estejam apenas nas máquinas, na hipnose dos celulares, “novos brinquedos para novos bárbaros”. Tenho dificuldades para entender e duvido haja quem saiba o que estamos fazendo. E para onde estamos indo ou sendo levados.
Isso, porém, são tolices de velho escrevinhador. Mais algumas. Pois adolescentes, jovens, continuam sonhando, delirando. Com seus novos brinquedos. Querem ser astronautas, analistas de sistemas, ídolos de futebol e da televisão, modelos como a Gisele, famosos como astros e atrizes. Nada, pois, de novo no front. A aventura de viver repete-se sempre. Com novos atores, novos cenários. Mas com o mesmo enredo. Pena, porém, não mais haver crianças brincando nas ruas, apertando campainhas de vizinhos, colhendo mangas no pé…
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