“In Extremis” (135) – Responsabilidade, ignorância
Se não admitirmos ser, esta, uma era de transição, aceitaremos não haver luz ao fim do túnel. A consequência, então, será o horror da desesperança. E, a desesperançados, resta, apenas, o desespero. Aceitar a transição é reconhecer o ritmo natural da vida: a mudança. E esta depende, também, da vontade humana. Dos humanos.
Acostumamo-nos a reclamar do mundo, como se fosse, este, o responsável por nossos atos, decisões, ideologias. O mundo – entendido como Terra, planeta – é como é. Há leis naturais que o comandam. E há as externas que o transformam, essas de nossa responsabilidade. A bagunça econômica, política, social, ética que envolve este país – e, portanto, também nossa cidade – atropela, também ou especialmente, aquilo de que mais precisamos e que a consciência de liberdade exige: a responsabilidade. Esquecemos o que seja ou, talvez, não mais saibamos do que se trata.
Responsabilidade e ignorância caminham em paralelo. Responsável é a criatura que consegue prever as consequências de seus atos sabendo, assim, corrigir o que deve ser corrigido. O irresponsável não mede as consequências do que vai fazer. Ou, também, do que vai falar, escrever, anunciar. Há, então, que se avaliar conhecimento ou ignorância do autor. Ora, o ser humano é limitado, sendo-o, também, no conhecimento. No entanto, as próprias limitações têm os seus limites. O homem, pois, é ignorante diante das mais diversas e complexas situações. Mas, se for responsável, admitirá tal deficiência com cautela, com senso crítico. A isso se chama “douta ignorância”. Se, para ilustrar, sou completo ignorante em questões matemáticas, revelarei a “douta ignorância” em não me envolver, não opinar diante de algo além do meu saber.
A ignorância, pois, será sempre inculpável quando as coisas estiverem além e acima do conhecimento comum. Mas será culpável nas coisas cujo conhecimento é necessário e possível. Se sei não dever trafegar em alta velocidade – um conhecimento acessível a todos – serei responsabilizado pelas consequências de meus atos. Terei sido, então, ignorante culpável e irresponsável.
Não é difícil de entender. Carregamos, dentro de nós, uma efetiva consciência de bem, de mal, própria de um direito natural. A sociedade define o comportamento particular e coletivo através de leis, do Direito em busca da justiça. O quê, então, pretende o escrevinhador expressar? Nada além de uma intensa preocupação diante da bagunça que estamos presenciando e vivendo. Ignorância culpável e irresponsabilidade deram-se as mãos e já abalam as estruturas deste país e das comunidades.
Encerro com o que ocorre em Piracicaba, inacreditavelmente também na Câmara de Vereadores. Nela, há pelo menos um vereador propagando perigosas inverdades, pregando charlatanismos, usando do direito de expressar de maneira indevida, pois afronta o universal ensino da ciência. Não é mais aceitável homens públicos defenderem o uso de medicamentos já condenados. Isso não é um direito, mas uma afronta. Um homem público tem o dever, a obrigação de submeter-se à “douta ignorância”. E, então, reconhecer: “devo calar-me porque não sei; calar-me para não falar bobagem; calar-me para não prejudicar pessoas.”
Se não compreender essa simples realidade, revelará ignorância culpável. E definir-se-á, a si próprio, como irresponsável. Irresponsabilidade na função pública atenta contra as comunidades, seja num país ou numa aldeia, incluindo a que se considere metrópole. A hora agônica exige que responsabilizemos o ignorante culpável.
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