“In Extremis” (137) – Histórias que não irei contar

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(Imagem: Marco Federmann, por Pixabay)

Uma das verdades do jornalismo é muito simples: as melhores notícias são as que não foram contadas. E não se trata de sonegar de informação, de conivência. São aqueles casos em que o público e o privado de tal forma se vinculam que não há como separá-los. E quase sempre vem a pergunta, que nunca teve resposta: o homem público tem vida privada? Ou acaba, ele, levando o cargo onde quer que esteja? Penso que, com exceção do que faz na intimidade do lar, o homem público carrega a responsabilidade do cargo que ocupa.

Seja o que for, o questionamento permanece. Lembro-me da confusão que agitou a cidade, ainda no início dos 1960, quando um deputado provocou verdadeira baderna na zona do meretrício. Sim, havia, ainda, uma zona de meretrício, por sinal, famosa. A situação ficara tão extremada – o deputado querendo impor a sua autoridade como parlamentar – que a Polícia apelou para os jornalistas testemunharem o grande escândalo. Ora, frequentar a “zona” era tão habitual para alguns homens públicos que – atentem para isso! – havia vezes em que alguns vereadores encerravam as sessões camarária com uma visitinha à “Casa da Ruth”, a rainha do meretrício. Era assim. Foi assim. Aliás, até governador de Estado aparecia na casa famosa que só foi suplantada pela “Casa da Eny”, em Bauru.

No episódio do deputado na “Casa da Ruth”, levantou-se, de imediato, a questão: ele estava lá como cidadão, não como deputado. Se o fato for publicado, poderá ser o colapso de sua família. E as pressões entraram em choque: havia o dever de publicar ou de relevar o acontecimento? Já era madrugada e era preciso encerrar a edição. Publica-se, não se publica?

A discussão emperrava na questão “família do parlamentar”. E na sua privacidade. Ora, se ele não se preocupara com sua família nem com o seu cargo, se não respeitara os cidadãos que o elegeram, se era questão privada um homem público “bagunçar a zona” – qual a responsabilidade do jornalista? Conclusão: o ocorrido foi publicado. E isso destruiu definitivamente a carreira do parlamentar assanhado. Culpa da imprensa?

Doutra feita, um jovem, com raiva, acusou o jornalista: “Você acabou com a carreira política de meu pai!” Mas, quem era o papai dele? Ah! sim, o papai do moço tomara posse de – já não me lembro bem – de um bonde ou de um ônibus do município, levando-o para enfeitar a sua chácara… Ou seja: um furtozinho de nada. No entanto, tivesse ocorrido por ação do vizinho, o rapaz, com toda certeza, denunciaria o jornalista: “Vendido! Por que não informou sobre o crime?

Na verdade, jornalistas – como naqueles tempos – hão de viver o eterno conflito de avaliar o que diz respeito aos interesses, aos bens públicos. Até onde, para preservar a família do meliante, se deve silenciar sobre o fato ocorrido? Confesso ter silenciado sobre muitas histórias, pensando em preservar familiares do meliante político. E, no mais fundo de mim, sinto que, em alguns casos, fiz a escolha errada. Pois familiares de bandidos, quando sabem da bandidagem, são cúmplices. E, enfim, ainda acontece o terrível drama cotidiano de decidir se o dever do jornalista – diante de fatos e acontecimentos extremos – é divulgá-los ou silenciar. Por isso, os mais sábios dizem ser, o silêncio, de ouro. Jornalista, porém, nunca foi sábio. Fosse-o, não seria jornalista.

Mas… Hoje, nesse caos: o que é ou não é bandidagem política? O que, com a explosão das redes sociais, ainda resta de privativo, de respeitoso diante do interesse público? Que história ainda não foi contada?

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