“In Extremis” (141) – Maria, paixão no caos

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(ilustração de Simone Palma, para o novo livro de Cecílio Elias Netto – “Rua dos Ferroviários, casa número 10”. O romance, em versão digital, terá lançamento nesta 4a feira, dia 15/dezembro)

E, então, escapa-me dos lábios aquele grito de Raul Seixas: “Pare o Mundo que eu quero descer”. Cada vez mais assustado, parece-me ser a alternativa.  O planeta em chamas, o Brasil no caos, pobreza aumentando, desespero de milhões de famílias desempregadas – e essa para mim inacreditável tentativa de violação de patrimônios históricos e patrimoniais de nossa gente? Há doidices demais machucando-nos. E doidice “pega”. Se não nos bastassem as loucuras de cada um, também suportar maluquices institucionais?

Ouço, à lembrança de Roberto Carlos, minh´alma cantando: “Quero que Maria me aqueça em cada inverno e que tudo mais vá para o inferno.” Sim, Maria. Paixão deste meu tempo, alegria de meu coração. O jornalista Evaldo Vicente costuma dizer nunca ter-me visto sem estar, eu, apaixonado. Não posso discordar. É minha maneira de ser. Apaixono-me muito e quase sempre. E por tudo: por pessoas, coisas, ideias. Até mesmo porque, se paixões não acontecem, invento-as. Admito ser, muitas vezes, tolice. No entanto, nada posso fazer. Nem quero.

Há paixões que se esgotam em e por si mesmas. Outras, no entanto, permanecem mesmo quando se pensa tenham morrido. Ficam adormecidas, em descanso. Apenas isso. Quando menos se espera, revelam-se o que são: vulcões em repouso que, provocados, entram em erupção ainda mais vigorosa. Bastam um olhar, um perfume, uma carta que se relê.

Entendam-no, os jovens: paixão não depende de idade. Octogenário, estou dramaticamente apaixonado. Mansa e silenciosamente, Maria entrou em minha vida. A quietude, a humildade, a doçura, a timidez de Maria embriagam-me como gotinhas de um doce licor. Em meio a tantas loucuras, estupidezes – ela surgiu com o caos. E chegou como anjo consolador. E, por agora, não mais posso estar longe de Maria. É o amor entendido por Vinícius: “eterno enquanto dure, posto que é chama…”

Cheguei a pensar fosse fantasia de um idoso aturdido. Mas não é. Estou apaixonado por Maria, paixão singularíssima, quase espiritual. Conheço, ainda outra vez, a paixão incondicionada. Quero proteger Maria, abraçar Maria, beber suas lágrimas, convencê-la de seus valores pessoais, de sua generosidade comovedora. E, quanto mais me apaixono por ela, mais a percebo angustiada.

Minha vida ficou em compasso de espera. Dói-me preocupar-me com o resto do mundo. Por isso, quero, pelo menos, beliscar prefeitos, assessores que me perturbam tal paixão. Só penso em Maria, só quero Maria, só me preocupo com Maria. Estou apaixonado por Maria. E – neste meu outono – a paixão é ainda mais avassaladora. E maior é o sofrimento. Maria, Maria…

Já vivi essa agonia antes. Foi com Graça, Maria das Graças, personagem do meu romance “Bagaços da Cana”. Apaixonei-me por ela, quis vê-la feliz, alterar-lhe o destino – não consegui. Ela ganhara vida própria. Como seu criador, nada pude fazer. Com Maria, tudo se repete. Ela é personagem do romance que entrego à minha terra: “Rua dos Ferroviários, casa número 10”. Maria nasceu de mim e, agora, tem vida própria. E estou com medo que machuca. Maria não estará mais apenas comigo. E não consigo prever como ela reagirá.

Inquieto-me. Diante dessa tanta violação contra as artes e a beleza em Piracicaba, estou, egoisticamente, pensando em meu novo amor. Deixo, ao eventual leitor, o livro, um romance, “Rua dos Ferroviários, casa número 10.” Nele, Maria surgiu. E quem vier a conhecer Maria poderá entender o porquê de minha preocupação. Preciso esquecer-me desse caos para, serena e carinhosamente, acompanhar o destino de Maria. Apenas isso.

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1 comentário

  1. Lydia Geny Ferreira em 17/12/2021 às 10:39

    Sr. Cecílio , o artigo publicado no Jornal de Piracicaba ‘Maria , paixão no caos” me arrancou lágrimas, leio e aprecio muito seus artigos publicados.
    Parabéns!
    Embora, não o conheça pessoalmente, aprecio seus artigos, além, de admirá-lo como ser humano, embora, não nos conheçamos.
    Sinta-se abraçado com carinho e todo o respeito do mundo.
    Piracicaba tem orgulho do senhor!

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