“In Extremis” (144) – Saudação aos sobreviventes

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(foto: Suleyman Seykan / Pexels)

Saudemo-nos uns aos outros. Pois sobrevivemos ao doloroso 2021. Fiquemos, porém, atentos: o mar continua revolto e a nau não tem comandante. Já nos foi ensinado: “Vigiai e orai”. Portanto, há que estarmos alerta, acautelarmo-nos com 2022, arregaçar as mangas. E orar, sim. Orar muito, mas sem esperar que Deus resolva o que é de nossa responsabilidade. Ora, essa mania de nunca dar sossego para o bom Deus. Ele já fez, criou tudo e tem o direito de descansar nesse seu sétimo dia. Estamos no oitavo e atores e criadores somos nós mesmos. Afinal de contas, Deus não vota em eleições. Por isso, já nos foi dito: “Quem pariu Mateus que o embale.” Ai de mim, que não pari Mateus e nem Jair, mas tenho que embalar quem foi inventado e parido por descuido…

Sobrevivemos. Mas quanta dor, quanto sofrimento, quanto luto machucando e fazendo chorar milhões de famílias! E, no entanto, dor é, talvez, a mais contundente prova de vida. Ela arde no corpo e arde na alma. Leva-nos à perplexidade e, muitas vezes, ao desespero. Sempre, porém, nos envia o recado: “Vocês estão vivos!”

Na dor de cada um, pulsam as mais díspares emoções. De repente, parecem ter desaparecido a alegria, a vontade, a paz. Mas, quando a dor se mostra insuportável, eis, então, que nasce a esperança. Pois, entre lágrimas e gritos e perdas, algo, no mais fundo de nós, reage e busca o tesouro ameaçado, na ressurreição do desesperado. “Eu quero viver.” Assim, até o último suspiro.

A Vida é maior do que nós mesmos. Maior do que a decepção, do que a tristeza. Maior do que a saudade que nos estraçalha por dentro. A Vida é maior do que o vazio e o sentimento da solidão. A Vida é dom, presente, privilégio. E faz apenas uma só exigência: que sejamos dignos dela. Por que duvidar tenha sido, 2021, um alerta, para o redespertar? Mas, assim foi. E 2022 é outra oportunidade para reencontrarmos pedaços da dignidade esquecida, a consciência de estarmos, sim, no mesmo barco.

Somos sobreviventes de um período avassalador. As ameaças, porém, ainda existem, as águas continuam turbulentas e não há comandante. A dor tão vivida é parte desse mistério humano dito emoção. Quantos estudos, pesquisas científicas, filosóficas para podermos ter uma simples noção da importância das emoções! Elas não são fracasso da vontade humana. São pilares. Alegria e tristeza alternam-se, em cada um, diariamente, como cenas de um mesmo drama. A dor faz sofrer mas desperta. Eis a lição imortal de Kant: “É na dor que sentimos a vida. Sem dor, cessaria a vida.”

Sobrevivemos, pois. É hora de agradecer e cada sobrevivente saberá a quem, a quê, por quê. Que as lágrimas derramadas em 2021 reguem as nossas esperanças para este recém chegado 2022. Em todo o Brasil tão ferido, as populações fazem viver um dos segredos da consciência e das emoções humanas: a solidariedade. A dor de todos instigou à bondade solidária. Não estamos sós.

Olhar para o alto e para o derredor, vencendo o que nos atingiu de baixo e por trás – eis, talvez, uma inspiração para iniciar a busca da sabedoria de viver. Para mim, fazê-lo fortalece-me há muitos anos. Olho para o alto e vejo estrelas e luares, ora Sol, ora Lua; vejo nuvens, limpidez de céu azul.  No alto, no inimaginável infinito, estão dois septilhões de estrelas: 2.000.000.000.000.000.000.000.000! Como sequer imaginar tanto esplendor?  E, então, olho para os lados e lembro-me de ser apenas um dos quase oito biliões de humanos espalhados pela Terra: 8.000.000.000. Eu, grãozinho de areia.

Sobrevivemos. E não estamos sozinhos.

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