“In Extremis” (147) – Uma crudelíssima humilhação

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(imagem: Wikipédia)

Foi em 1963. O Brasil e a França desentenderam-se por aquilo que se chamou “a guerra das lagostas”. Acontecera que embarcações francesas haviam invadido o mar territorial brasileiro para a pesca e a crise se instalou. Foi, então, que o orgulho nacional se rebelou diante de palavras atribuídas ao presidente francês, Charles De Gaulle: “O Brasil não é um país sério.” (Le Brésil n´est pas um pays sérieux). Não foi verdade. A frase, quem a pronunciara fora o próprio embaixador do Brasil na França.

Em 1976, um dos principais líderes do governo ditatorial – deputado Francelino Pereira – fez uma indagação que se espalhou feito poeira: “Que país é esse?” Nem o líder do governo sabia em que se transformara o Brasil. O compositor Renato Russo imortalizou a pergunta. Mas é uma indagação injusta. O mais honesta seria perguntar-se: que governos são esses?

Ainda agora – mesmo com o cansaço, o desânimo, a desilusão – continuo acreditando, vigorosamente, na seriedade do Brasil, de nossa gente mais humilde. Não tem sido séria – como se isso fosse uma praga lançada contra nós – grande parte da classe política brasileira. E, se me perguntarem “que país é esse”, direi ser um imenso, um grande país, desgraçadamente assaltado e vilipendiado desde o seu descobrimento. A grandeza do Brasil está nessa capacidade quase inacreditável de resistir a tantos desmandos, assaltos, bandidagens, desrespeitos.

Há momentos em que – diante desse descalabro escandaloso, humilhante – me pergunto se valeram a pena os tantos sacrifícios de homens de minha geração no enfrentamento à ditadura. Mas, sim, valeu a pena. Era o nosso dever. Lutamos por ideais verdadeiros. Foi triste, porém, ver que muitos se aproveitaram das regras da democracia tornando-se indignos dela. Pergunto-me, aflito: por que essa anestesia geral? Cadê as multidões que estremeceram as ruas até mesmo para derrubar aquela inocente-útil, a Dilma? Cadê a indignação cívica?

O Brasil está sendo rifado cada vez mais aceleradamente. Enquanto se tenta implantar uma economia já superada – essa dos “Chicago Boys” – o presidente Byden dá lições de como o Estado há que ser “nação juridicamente organizada”. E o conceito chave é esse: nação. E eis aí, também, a dramática indagação: o que, afinal de contas, o Brasil entende por nação? E, mais ainda: o que entendemos por Estado?

Sofremos de vícios de origem: a república nasce de um espírito militarista. A monarquia foi substituída por uma concepção indefinida de república. E esta nasceu sob tutela militar. Desde o início, ignoramos uma democracia republicana e civilista. Ora, o poder emanado do povo implica conflitos, divergências, contradições. Governos realmente democráticos buscam a síntese dessa complexidade. A maioria decide, mas minorias têm que ser respeitadas e ouvidas. Pois o pensamento coletivo muda.

Assistimos a uma crudelíssima humilhação nacional. Juntaram-se – numa conspiração diabólica – o despreparo, a ignorância, a incapacidade, os ódios, extremismos, fanatismos para reduzir o Brasil a um feudo com poucos donos. É inacreditável a anestesia coletiva diante de um governo ridículo e mau. O povo parece não existir e o país assemelha-se a um simples território com uma população abandonada. E com amargura constatar que, alquebradas, as gentes ignoram sua realidade histórica de ser fonte do Poder. É a crudelíssima humilhação a que uma “famiglia” submete o Brasil: solapar a identidade de um povo. Mas a História ensina: toda Bastilha conhece o dia de sua queda.

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