“In Extremis” (15) – As chamas na casa comum

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(imagem: The New York Public Library / Unsplash)

Atendo ao toque do telefone. A voz é a de amigo querido. Sem artifícios, ele diz de sua preocupação como leitor de minhas escrevinhações. “Compreendo a sua dor, mas você precisa superá-la, escrever coisas alegres.” – diz-me ele. Conversamos, despedimo-nos. Mas, em mim, aumentou-me essa angústia que cresce na velhice. Dor, dor – quem não a está tendo hoje? Como é possível viver sem dor diante do caos mundial, da brutalização dos sentimentos, desse assustador anúncio de tragédia final?

Enganam-se os que acreditam trazer, a velhice, sabedoria. Nem sempre. A menos que, por sabedoria, entendamos a apatia pela incapacidade de fazer, de realizar. A alma e o coração gritam, mas o corpo não mais os atende com aquela força explosiva e até mesmo irracional da mocidade. A velhice traz a experiência. E, necessariamente, experiência não é sinônimo de sabedoria. Há bandidos muito experientes.

Dor, quem não está sentindo? Se houver quem, há de ser um materialista com imoralismo empedernido, estupidamente acreditando ser, realmente, dono do mundo. Mas ninguém é dono de nada! Tudo que temos, que pensamos ter conquistado nada mais é do que um empréstimo, uma cessão provisória. Ou já houve quem, morrendo, tenha algo de concreto para o Mistério? Se nada se tem, nada se leva. Deixa-se. E o ser humano, no fim das contas, tudo o que deixa são lembranças. Boas ou más, generosas ou pérfidas. Sua herança material irá esvair-se, escapando a seus herdeiros. Mas a história fica. A do santo e a do pecador, a do bandido e a do herói.

A Terra – essa abençoada irmã Terra, a mãe Terra – não é propriedade nem de pessoas, nem de nações. E há lugares – como a Amazônia – que, de maneira especialíssima, são patrimônios da humanidade como fonte essencial e fundamental da vida. É um bem planetário que está, provisoriamente, aos cuidados de povos latino-americanos. Provisoriamente! Porque os atuais inquilinos, por não cuidarem dele, começam a perder o privilégio dessa inestimável responsabilidade.

Há quem – por maldade, ignorância ou má fé – tente menosprezar os defensores do meio ambiente. Querem – idiotamente – contrapor Economia à Ecologia, como se fossem conflitantes, com objetivos opostos. Tolos, que não entendem o significado das palavras, sua origem. Economia nada mais significa do que “administração da casa”. E Ecologia, os cuidados, o estudo, a compreensão da Palavra, do Verbum. “Eco”, desde os gregos, tem o significado de casa (oikus).  A Terra, pois, é essa nossa casa comum, à maneira que, admiravelmente, o Papa Francisco no-lo mostrou em sua inspirada carta encíclica “Laudatio Si”. É, no entender dos verdadeiros sábios da humanidade – que existem, sem terem poder político! – um evangelho destes tempos amargos, uma nova “boa nova” iluminando os homens de boa vontade.

Dor, querido amigo – como não tê-la? Assistimos a um cruel ecocídio. As chamas de nossa casa comum são como o apocalipse, a revelação dos últimos tempos. Têm, em seu mistério, o grito da natureza em suas dores do parto e da morte violenta. Para mim, é um grito de protesto: “Não são Trump e seus lacaios os patronos da natureza. Não são empresas e homens insaciáveis os donos da Terra. O patrono tem um nome simples, beatífico, inspirador: Francisco de Assis, o “Poverello”.

“Laudato si, mi Signore – Louvado sejas, meu Senhor.” – cantava ele. “Louvado seja pela nossa irmã, a mãe terra, que nos sustenta e governa e produz variados frutos com flores coloridas e verduras.” As chamas cantam o requiém da Terra. E agora?

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