“In Extremis” (151) – Mito e militarismo

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(imagem: Rach Teo / Unsplash)

Foi na infância que a mitologia me seduziu. Nos livros de Monteiro Lobato, encontrei um universo vivificador de encantamentos, de despertares para a imensidão dos sonhos. Desde lá, nunca mais deixei de ler, de estudar, de procurar entender esse mistério mítico que nos acompanha ainda hoje. E no nosso cotidiano. No amor e no sexo, lá estão os mitos: erótico (Eros), afrodisíaco (Afrodite), venéreo (Vênus). No trabalho, o esforço hercúleo (Hércules). O dionisíaco da vida (Dioniso). E o apolíneo (Apolo). Esse vulcânico da pandemia (Vulcano). O hermético (Hermes), o mercurial (Mercúrio).

O nosso viver é mítico. E continuo em busca de compreendê-lo. Lá, pois, continuo a conviver com Campbell, Jung, Mircea Eliade, tantos e tantos garimpeiros do mistério. De Campbell, guardo a imagem: “Mitos são a máscara de Deus”. E é através dela que buscamos nos relacionar com os mistérios da existência. E esses mistérios, tentamo-los encontrar – a partir da descoberta do mito – nos labirintos das ciências humanas. Busca-se, busca-se para, ao fim, entender que almas simples são as que dialogam com os mitos. Os humildes intuem a presença deles em seu coração.

Permiti-me o breve preâmbulo para confessar que jamais – e sob qualquer hipótese – cometeria, eu, o atrevimento de escrever sobre mitos. Isso é da competência dos mistagogos, entre os quais estão notáveis autores, verdadeiros sacerdotes na revelação dos mistérios, mestres de uma iniciação venturosa. Jamais, pois, irei fazê-lo. No entanto – por ter-me aproximado da grandeza dessa revelação – não consigo suportar as farsas, mentiras, engodos e má fé dos que usam fantoches para fantasiá-los de heróis e de mitos.

Ora, se o mito tem sua misteriosa natureza – atravessando séculos e milênios a partir do que se chamou inconsciente coletivo – equívocos e desconhecimentos têm-no banalizado, vulgarizando-o, confundindo-o com narrativas discursivas. E, também, nada impede seja usado, com má fé e intenções perversas, como poderoso auxiliar em lutas pelo poder. Pois não houve, na história humana, ditadura, tirania que não inventasse mitos para manter-se no comando. A essa tentativa, dá-se o nome de criação do “mito político”. Para chegar ao poder político, para consolidar ideologias, para anestesiar multidões – cria-se um mito político que é apresentado como salvador, como herói, providencial e messiânico criador de um tempo novo.

A história conta-nos dessa farsa que sempre conduz à tragédia. Tiranos usam de mitos políticos para fortalecer o propósito maior que é o poder baseado no militarismo. Nero fez-se mito, apoiado em turbas milicianas. O Ocidente conheceu a invenção de mitos em governos militarizados: Mussolini, na Itália; Hitler, na Alemanha; Stalin, na União Soviética; Franco, na Espanha; Salazar, em Portugal; Perón, na Argentina; Getúlio, no Brasil. E o extremismo radical – a força escondendo-se por trás do mito – continuou repetindo-se assustadoramente. Trump, nos Estados Unidos; Bibi, em Israel; Erdogan, na Turquia; crescendo, ainda, na Itália, Holanda, França, Alemanha, Hungria.  E, no Brasil, Jair Bolsonaro, uma invenção para, ao cegar seguidores, permitir o advento de um militarismo totalitário.

Não se trata de teoria conspiratória, nem de tolice criada à falta de argumentos verdadeiros. Ao Brasil, o extremismo militarista já nos apresenta duas figuras, uma de herói – Sérgio Moro – e a outra, de mito, o ex-capitão. Tendo-os como vitrina, criou-se todo um projeto ditatorial com disfarce democrático. As máscaras, porém, começam a cair. E a abrirem-se, os olhos do povo.

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