“In Extremis” (153) – Luz nas sombras da Cafarnaum
Cada vez que me espanto com a crueldade do ser humano – e foram e tem sido muitas as vezes – eis que me encanto, também ou especialmente, com a grandeza humana. Quando Hitler, Stalin – e, também, os novos candidatos a tiranos, incluindo brasileiros – parecem atormentar-me as esperanças, eis que – doce e generosamente – surgem-me as figuras de Tereza de Calcutá, de Francisco, o de Assis e, também e agora, o do Vaticano.
Quando ecoam os urros de guerra, os estrondos de bombas, estampidos de tiros, urros de ódios – eis que, então, ressurge a maviosidade da Ave Maria de Schubert. E redescubro o divino no humano. Erram os que dizem e ensinam ser para o mal a vocação da humanidade. Existimos e sobrevivemos por conhecermos a solidariedade. Ódios, desavenças são doenças da alma, deformações. Toda criatura violenta vive a enfermidade do medo, da covardia, da insegurança. Agride para se defender de si mesma. Deixa-se dominar por ressentimentos, invejas, temores. No íntimo de cada ditador, há um covarde.
O darwinismo social – aquele da lei dos mais fortes, da competição sem fim – não é de todo verdadeiro. Os seres vivos – todos: humanos, plantas, animais – nascemos para a vida em comum. É uma assombrosa lei natural que nos une e nos separa. Viver é bênção que tem limite no tempo e no espaço. Veja-se uma flor: vai-se abrindo a pouco e pouco. E namorando o Sol. Então, abre-se em todo o seu esplendor. E suas pétalas vão murchando. O seu tempo, o privilégio de ter vivido chega ao fim. Assim, também com os humanos.
Isso significa, apenas, que somos parte do todo. É falso dizer, do homem, ser ele o rei dos animais. Há que se admitir a possibilidade de – nas traduções e versões, incluindo as religiosas – diversos entendimentos para uma mesma palavra ou expressão. Não teria sido apenas um entendimento equivocado a afirmação de ser, o homem, aquele para o qual “todas as coisas foram feitas”? Como assim? Pois, se assim realmente fosse, estaria explicada essas insuperáveis – e insuportáveis – ganância e ambição humanas. Ora, se todas as coisas foram feitas para mim, passo a ter, então, o direito de usar delas conforme meus desejos. E o outro – aquele chamado de próximo – pensaria o mesmo. E ele e eu, inevitavelmente, iríamos brigar, guerrear. Putin, por exemplo. Não estaria, ele, pensando que a Ucrânia existe para ele?
Mas o já escrito não pode parecer filosofice barata. A realidade é outra, a de que o ser humano se esquece de suas grandezas para ter prazer nas próprias pequenezes. Pois o mundo e a vida apresentam-nos, a cada dia, testemunhos maravilhosos e comovedores de fraternidade, de partilha, de comunhão. Ora, há a consciência popular de que “o amigo se vê no aperto e no perigo”. A tragédia de e em Petrópolis, mostrou a imensidão da solidariedade do povo brasileiro, mesmo – ou “et pour cause”? – nesses anos agônicos de devastação político-administrativa. Foi como se o povo provasse: a dor desperta o amor.
O mundo, com a rudeza de Putin, revive a velha Cafarnaum, que se tornara sinônimo de desordem, de caos. Lá onde morava a sogra de Pedro, cujas portas se abriam para todos, a “casa da sogra”. Na Cafarnaum, onde Jesus surgiu como luz nas trevas. Nesta nossa Cafarnaum, as luzes de uma solidariedade mundial iluminam esperanças. Contra a crueldade, os povos se unem para acolher refugiados, dar pão aos famintos, tetos aos desabrigados. Cada Cafarnaum histórica é lembrada mais pelo amor que produziu do que pelos ódios espalhados.
O ser humano vale a pena, sim. Apesar de tudo…
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