“In Extremis” (161) – A triste perda da alegria

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(imagem: Vitaliy Mitrofanen / Pexels)

Desde a juventude, entre muitas dúvidas, uma delas mais me inquieta: no ser humano, é maior a inteligência ou a estupidez? Sei, no entanto, que, resposta houvesse, conseguiríamos entender o bem e o mal. Ora, o homem já conquistou a Lua, está em Marte, mergulhou numa parcela do espaço infinito – e, no entanto, biliões de pessoas sofrem pela fome. O que, pois, é o homem para o próprio homem? O que temos sido, nesses milênios de nossa coexistência? Somos seres inteligentes ou estultos?

Ainda não entendo que nos falte algo para um relacionamento mais harmônico. Quantas lições já nos foram dadas? Quanta filosofia, quantos credos, quantas religiões, quanta ciência? Propor mais o quê depois de Buda, Lao Tsé, Moisés, Jesus, Maomé? Quando vejo animais pastando nos campos – aquela calma, o bem-estar – penso nas ruas de nossas cidades, o caos, os conflitos. E nas guerras que, nem com a loucura de Hitler, nos têm servido de lição. Seria, o homem, uma criatura domesticável, adequando-se ao “domus”, ao lar, à convivência? Inquieto-me. Pois, horrorizando-me ao lembrar de Hitler e, agora, de Putin, vem-me – à memória da alma – a lembrança de Francisco, o “poverello” de Assis. E de Tereza de Calcutá.

Arrisco-me a ser mal interpretado, mas, para mim, uma de nossas sérias dificuldades está naquele “Amai os vossos inimigos.”  Não que Ele não o desejasse do mais íntimo de Si mesmo. Mas, em qual contexto, como foram interpretadas as Suas palavras? E as traduções? Como Jesus – com sua sabedoria profunda, humana e divina – iria propor o quase impossível para os limites do humano? Mesmo como utopia, como sonho, ideal, desejo – o desafio parece intransponível para quem é mais humano do que divino.  Ainda não entendo. Pois sou absolutamente incapaz de amar Hitler, Mussolini, Médici, Trump, Putin. E Bolsonaro.

Tudo ficaria mais possível, mais realizável se, em vez de amar, o verbo fosse respeitar. E, assim mesmo, com condições. Ora, como respeitar alguém que não se respeita nem a si próprio? Como conviver com quem busque destruir valores consagrados, princípios pétreos? Como perdoar alguém que não deseja ser perdoado? O que faz o agricultor com a erva daninha destruindo o fruto generoso? Quanto já não se falou em separar-se o joio do trigo? Como admitir o precioso dom da liberdade quando ela é usada para a sua própria destruição?

Ora, nem sequer preciso revelar minha tristeza. Quase diria estar, eu, tomado de melancolia. Mas esta é tristeza sem explicação, o vazio sem causa conhecida. A minha está na certeza de perda irreparável, aquele saber que o castelo foi destruído, o ruir da esperança. Pois esperança é sentimento de esperar, de aguardar, do desejo que se realizará. Esperar vincula-se a tempo. E estou no meu tempo final, aquela hora de agradecer pelos bens recebidos, pela vida vivida. Enfim: não tenho mais tempo de esperar o Brasil assuma sua própria grandeza, a imensidão de sua prodigalidade. Esperei por mais de 80 anos e vi a desistência, o desperdício, a negação mesmo quando aconteceu a explosão do bem-estar. Quanto tempo mais haveremos de esperar, quanto tempo para decidirmos, por fim, despertar do sono que nos deixa “deitados eternamente em berço esplêndido”?

Éramos alegres, confiantes, esperançosos. O mundo olhava-nos com admiração e, até mesmo, com certa inveja de nossas maravilhas. No Brasil, havia amor. Como, pois, suportar, admitir, aceitar a semeadura de ódios que destrói toda uma história? O que estão fazendo conosco? Cadê o meu, o nosso Brasil brasileiro?

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