“In Extremis” (166) – A Rainha e Joãozinho

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(imagem: Oberholster Venita, por Pixabay)

Confesso não conseguir enxergar o mundo sem a Rainha Elizabeth. Chegando aos 70 anos de seu reinado, ela, desde o pós-guerra, é coautora de nossa história. Chamam-na de “Avó da Europa”. Melhormente, penso eu, deveria ser reconhecida como “Avó do Mundo”. Pois sua influência pairou sobre as nações em todas essas décadas. Tem sido amada, respeitada, reconhecida como personalidade da qual fruem sabedoria, nobreza, prudência, cordialidade.

Considero-me absolutamente suspeito para emitir qualquer juízo sobre a monarquia inglesa. Espiritualmente, sinto-me como súdito dela desde os tempos do Rei Artur e dos Cavaleiros da Távola Redonda. Cresci lendo histórias deles. Quando Elizabeth foi consagrada rainha, vivia, eu, os meus tenros 12 anos, no início do então curso ginasial do Colégio Dom Bosco. Os padres não, lá, muito simpatizavam com a nova rainha, subordinados, ainda, às questões religiosas. Maldiziam de Henrique VIII, ancestral de Elizabeth que rompera com o Vaticano. Ao mesmo tempo, porém, os fundamentos da língua inglesa, que nos ensinavam, tinham a história, o sotaque, os cacoetes britânicos.

Admito escancaradamente: tenho inveja da monarquia britânica. Não sei se há doçura em inveja, mas a minha – sinto-a assim – é uma doce inveja. E, agora, fortalecida pela imensa vergonha com que a “famiglia” do tal capitão cobre o Brasil. As grosserias, as mentiras, as malandragens, a incivilidade, as vulgaridades, a incompetência, a filosofia de caserna e de taberna, a falta de pudor – como isso tudo dói ainda mais diante das celebrações dos ingleses por sua milenar monarquia. Fico envergonhado. E com pena de nós, brasileiros, que, em nossa história, tivemos a nobreza, a cultura, a dignidade, a honradez de D. Pedro II. E que foi deposto justamente por grosserias de coturnos militares, ainda ecoando no solo deste país.

Acredito num Brasil monárquico-parlamentarista. Pois, creio, com convicção plena, numa alma brasileira nostálgica da monarquia. Até hoje, cultuamos a nobreza, a realeza criando e admirando ídolos a que demos títulos de reis: Rei Roberto Carlos, Rei Pelé, Rei Momo, Rei da Soja, Rei dos Ladrões, Rainha do Carnaval, Princesa do Oeste, Princesinha do Mar. O próprio exército brasileiro tem nostalgia monárquica: seu patrono é o Duque de Caxias. E condes e duques e barões. Que ainda sobrevivem entre nós, aqui mesmo, em Piracicaba; Barão e Baronesa de Serra Negra, Barão e Baronesa de Rezende, Barão de Piracicamirim.

Insisto: sonho com um país construído em bases dignas, civilizadas, que se inspirasse na aretê grega, socrático-aristotélica. É o significado da virtude, da excelência, um governo dos melhores e mais qualificados e, também, uma concepção de sociedade onde as ações humanas revistam-se dessa grandeza moral. É óbvio que uma deturpada monarquia pode mergulhar na tirania. Da mesma forma, a corrupção da democracia redunda na desordem e anarquia. É o desafio mais do que milenar de todos os povos em busca de seu caminho.

Penso ainda nisso, mesmo sabendo não ter mais tempo sequer para ver este nosso grandioso país recuperar-se do caos a que foi atirado. Penso em Joãozinho Orleans e Bragança como monarca brasileiro, vivendo a vida lá em Petrópolis, dando festas, criando romances para assanhar veículos de comunicação e redes sociais. Não haveria espaço para “famiglias” de políticos medíocres. Comentaríamos, então, as fofocas da Corte, os vestidos das princesas. Um Brasil, pois, de conto de fadas. Sonho em vez de pesadelo.

Até a corrupção seria diferente. Vestiria roupa de gala. Sem coturnos.

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