“In Extremis” (167) – Deixar ficar, ver como fica

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E eis, então, que alguma luz brilha. É a luz dos princípios pétreos da natureza humana que não soçobram à dança e à mudança de valores. (imagem: Brigitte Werner, por Pixabay)

Chego, pois, aos meus 82 anos de idade. Deles, 66 tenho-os vivido exercendo o jornalismo e em busca da literatura. Na realidade, nada mais faço do que me render a um chamado, cativo de uma vocação. E esta sempre foi simples, ainda que desafiadora: escrever. Nada mais do que isso.

As coisas que vi, as que assisti, muitas das quais participei – posso dizer que compõem uma história de complexa narrativa. Desde a Antiguidade, especialmente com Heráclito, já se sabia a natureza, a vida estarem submetidas a um fluxo perpétuo. Nelas, nada é fixo. Tudo muda.

Nestes 66 anos de vida cultural, acompanhei as incríveis transformações que nos abalaram e as que, também em mim próprio, repercutiram. Foi uma luta permanente, como a de alguém e de uma história coletiva acossados por furacões. Muito do que havia, por ser instável, perdeu-se, deteriorado pelo tempo. Outro tanto foi preciso preservar para gerar frutos. Alguma porção readequou-se. E, assim, fluindo, a Vida fez fluir também, a História. E as pessoas.

A velocidade das mudanças – é acaciano repeti-lo – foi e continua sendo avassaladora. Quando se pensa estar-se adaptando a um movimento transformador, eis que outros aparecem, negando os anteriores. O que valia deixa de valer sem se saber o que, em seu lugar, valerá. E, sendo rápidas e avassaladoras, as mudanças radicais deixam, como herança, o caos. E, assim, nessa era da admirável tecnologia, temos vivido. De caos em caos. Caos social, caos político, caos econômico, caos espiritual, caos humanitário.

E eis, então, que – ao temer-se pelo fim das coisas ou pela falta de soluções – alguma luz brilha, por pálida pareça inicialmente. E é sempre a mesma, que retorna. É a luz dos princípios pétreos da natureza humana que não soçobram à dança e à mudança de valores. Pois, por mais fique esquecido na aventura humana, há o eterno no ser humano. E, portanto, também, nas sociedades, na civilização. Ironicamente, por mais esquecido pareça, o eterno permanece vivo, especialmente nos sonhos das almas. Assim, diante do que parece não ter solução, o eterno surge, ressurgido. Nietzsche já o entendera: o eterno retorna, há um Eterno Retorno. O bem, a luz, a concórdia retornam sempre. Apesar de nós mesmos.

Iniciei estas reflexões referindo-me à minha dinossáurica presença na vida cultural e política de Piracicaba. As grandes transformações, vi-as, todas elas, despontarem, com muito barulho, entusiasmo, expectativas. Houve uma sedutora cumplicidade entre movimentos nas áreas de costumes, políticos, ideológicos que, muitas vezes, tentaram darem-se as mãos. O feminismo, o “faça o amor não faça a guerra”, os hippies, a onda hinduísta, movimentos carismáticos, ascensão do evangelismo, rituais satânicos, pais e mães de santos – enfim, a procura de respostas diante de uma economia pérfida. John Lennon enxergou antes: “O sonho acabou”. E acabou pela destruição imposta por uma economia desregrada que se revelou desumana, perversa, cruel.

O ser humano passou a ser visto como simples objeto cujo valor depende de sua capacidade de consumir. Sua importância tornou-se dependente de sua relação no mercado. E ele próprio se tornou mercadoria, pois até os seus valores, a sua dignidade sujeitam-se a uma lei sórdida: quanto valem no mercado. Ou seja: dependem, agora, da compra e venda de seus talentos, no leiloamento deles. Lastimavelmente, os jovens ignoram terem-se tornado os “novos escravizados”. Mas sem direito a cartas de alforria.

Quem reagir salvar-se-á. Deixar estar para ver como fica, é apenas ficar.

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