“In Extremis” (169) – A 25ª hora

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(imagem: Pete Linforth, por Pixabay)

Pelo que sei, a expressão – “A 25ª Hora” – populariza-se a partir de um livro pungente, doloroso, do escritor romeno Vigil Gheorgiu. Não me recordo das vezes tantas que o li da adolescência à idade adulta. O livro desaparecia de minhas estantes e lá me ia, eu, adquirir outra edição. Ora, sempre soube da influência de livros, de autores, de filósofos, de pensadores, de pessoas comuns na formação de minha personalidade, de minhas crenças e buscas. Por isso, nunca me pergunto “quem sou eu?” Não sei. Tantos estão em mim, que momentos há em que não reconheço o personagem encarnado.

Viver o agora, o dia a dia é, em meu entender, nada mais do que o somatório do passado. Tudo o que existe em cada um de nós resulta do que passou, do já vivido. E isso não é psicologia avançada nem vulgar. Trata-se de consciência pessoal. Pois, eu sei ter sido e estar sendo construído, elaborado peça por peça, em cada pedacinho de alma. Vejo-me – agora, na velhice, com frequência ainda mais vivaz – recorrendo a meu amado e amorável pai. Como ele faria diante do que não entendo? Como reagiu ao constatar o fim da caminhada?

E, ao mesmo tempo, recorro à inesquecível Romilda Casale, primeira professorinha, que me escancarou as maravilhas da infância diante de um mundo à minha espera. E, então, aspiro ao encantamento do meu jardim, onde a vida esplandece a cada dia, no milagre da ressurreição de plantinhas e flores que, após fenecerem, renascem. Ora, se lá me vou também fenecendo, por que não posso ou não haverei de renascer aqui mesmo, neste meu cantinho, no ninho que me acolheu? Por que não?

Obviamente, vivo em luta permanente para entender quem está em mim. Pois desisti do “quem sou eu”? Não sou. Vou sendo pedaços de arquitetos que me inventaram, de engenheiros e pedreiros que me montaram. No amor, sou muitos alguéns conforme a mulher amada: fico Romeu, morrendo por Julieta; sofro a loucura de Tristão na paixão por Isolda; rendo-me como Sansão aos encantos de Dalila; toco harpa e danço qual Davi diante de Betsabá; almejo as mil concubinas do reino de Salomão e, ao mesmo tempo, desmancho-me de amor diante do milagre e na bênção dos filhos que Mariana me deu. Conheci o harém, conheci o lar. E é neste, no lar – mesmo quando se mostra caótico – onde acontece a graça da paz.

Mas eis que a tensão, o medo, a indefinição, a angústia nos espreitam: os da 25ª Hora. Ora, Vigil no-lo explicara: «A 25ª Hora… Não é sequer a última hora: é uma hora depois da última hora. O tempo preciso da sociedade ocidental. É a hora atual. Exatamente agora». Sombras, névoas, indefinições, rangeres de dentes, incompetências, ascensão de ressentidos, indiferença de mal-amados, ignorância perniciosa, crueldades doentias, criação de deuses perversos, mentiras assustadoras, prepotências enfermas, vaidades tóxicas, perda do pudor e do ridículo, estúpida crença na realidade do virtual… Cadê o ser humano, aquele que se proclamou feito “à imagem e semelhança de Deus”? Em assim sendo, de qual Deus? O de Abrahão, Isaac e Jacó? Ou o da “famiglia” de Brasília, que se julga acima do bem e do mal?

Em Piracicaba, a 25ª hora é, também, aterradora. Um cidadão conduzido à Prefeitura age como menino mimado, perdendo tempo e gastando dinheiro público por não admitir críticas. “Não mexam comigo que vou chamar a mamãe!” – parece dizer. Um vereador, revelando desconhecimento histórico, quer homenagear uma das mais perversas figuras da periferia cultural brasileira. Olavo de Carvalho no Panteão de Piracicaba? Olavo de Carvalho?

A 25ª hora é, realmente, a hora atual.

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