“In Extremis” (17) – Primavera e noivos da Noiva

Primavera_Pixabai

(imagem: reprodução Pixabai)

Ao fim e ao cabo, uma das poucas conclusões a que chego é a de a vida ser, também, uma questão de olhar. Em especial, aprender a ver com olhos d´alma, privilégio que nos leva aos delírios da criação. As coisas aparecem aos olhos. Nem sempre, todavia, são aquilo que parecem ser. Crianças sabem muito bem disso. Pois, em seu maravilhamento pela eterna novidade, conseguem ver, em nuvens do céu, carneirinhos, anjos, diabinhos, óculos da vovó – tudo, enfim, o que desejam ou com o que sonham. Inventar é preciso. Um sinônimo, talvez, de sonhar e criar.

Tenho, para mim, que cientistas e filósofos continuam sendo crianças. Querem saber das coisas, o porquê delas, o como isso ou aquilo se faz, a razão de isso não ser aquilo. Li – não sei mais onde e quando – o que um físico descobriu a respeito da Santíssima Trindade, essa de três pessoas numa só. “Ora – teria dito ele – é como a água. Ele pode apresentar-se em três estados – sólido, líquido, gasoso – mas continua sendo água.” Simples e genial. Um olhar de ver e enxergar.

O fato é que, dentro de poucos dias, estaremos na primavera, estação de todos os sonhos, alegrias, esperanças. De todas as cores e dos mais variados olores. Na realidade, ela começou a chegar já há alguns dias. Anunciou-se nas árvores das ruas, das calçadas, nas cores rosa, branca e vermelha dos ipês. De minha parte, percebi-o no meu jardim, onde estou aprendendo a verdadeiramente olhar. Fui, ainda na juventude, tocado por aquela visão platônica, a de que nós nos tornamos aquilo que olhamos. Olhar o belo torna-nos belos; olhar o feio torna-nos feios. Será, pois, que não temos sido tolos ao permitir que nos mergulhem em tantas feiuras, horrores, crueldades, guerras, morticínios? “Olhai as flores dos campos, as avezinhas do céu…” Logo, missão generosa:  o homem há que levar beleza à feiura. E salvar o mundo.

Piracicaba é um poema, a “Noiva da Colina”, conforme a cantou Brazílio Machado. A noiva é, ao mesmo tempo, a prometida e a comprometida. Para os franceses, noiva é “fiancée”, palavra derivada de “confiance”, confiança. Ao continuar sempre noiva, Piracicaba parece desejar que também os noivos sejam confiáveis.  E esse é o desafio de cada geração de piracicabanos aqui nascidos, aqui acolhidos. A Noiva é de e é nossa confiança. Nós, pois, temos que ter e que ser a confiança dela.

Quem aguçar sua própria sensibilidade haverá de captar toda a poesia que envolve Piracicaba. Pois, se Brazílio Machado a viu como Noiva, Newton de Mello reconheceu-a por ser “cheia de flores, cheia de encantos.” Mas por que estaria o escrevinhador pensando nessas coisas? A resposta é simples: trata-se de um sonho, de um desejo ardente e de um convite até mesmo ingênuo. Por que não passamos a florir ainda mais Piracicaba? Por que não o fazer nesta primavera?

Em cada flor, há mensagens especiais, simbolismos reveladores. Num ramalhete delas, em especial, há revelações e sabedorias surpreendentes. Tantas delas juntas – cada qual com sua singularidade, sua cor, seu perfume – formando, porém, um conjunto harmonioso. À comunidade humana, não nos serviriam de modelo?

Chineses ensinam: “na escuridão, se cada um acender uma vela, cidade toda ficará iluminada.” E mais: “se cada um varrer a frente de sua casa, a cidade toda ficará limpa.” Pois minha sugestão, meu sonho são primaveris: “se cada casa colocar um vasinho de flor na janela, Piracicaba toda ficará florida.” Por que não tentar?

Bastaria um olhar amoroso. De noivos ofertando flores à noiva amada. Apenas isso.

Para acompanhar outras crônicas desta série, acesse a TAG “In Extremis”.

Deixe uma resposta