“In Extremis” (170) – Amargor da desesperança

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(imagem de Gerd Altmann, por Pixabay)

Desesperança, para alguns pensadores, resume-se à “morte do eu”. Logo, uma “doença mortal”. No entanto, tantos “eus” há numa só pessoa que mais acertado, talvez, seria aceitar seja, a desesperança, a morte do fundamental de um deles. Ou de diversos dos meus “eus”. Pois esperança é uma das emoções essenciais do ser humano, nós que vivemos permanentemente sujeitos a emoções, dependentes de muitas delas. Oscilamos entre o prazer e a dor. E a busca do prazer esboroa quando ele não acontece. A esperança cria a expectativa, algo que haverá de vir, de acontecer.

Não se trata de um apenas esperar, o ficar estático, um não agir. A esperança carrega consigo desejos, sonhos, devaneios, também irrealidades. Esperar, pois, e esperançar podem assemelharem-se. No entanto, há a sutileza especial: quando o aguardado não ocorre, cansa-se ou desiste-se da espera. Se, porém, é a esperança a morrer, a tristeza da desesperança parece também mortal. É como se uma das pulsões da vida acabasse.

Desesperancei-me de ver um Brasil realmente “impávido, colosso”. Não mais tenho sequer o direito de esperar aconteça o despertar de uma nação justa, rica, independente, verdadeiramente senhora de seus destinos e grandeza. Esperança vincula-se a tempo, tempo de construir, tempo de colher, de orgulhar-se das realizações. E tempo não me resta para ver um futuro ainda incerto. Ora, quantos anos levará para o Brasil reconstruir-se, recomeçar e, ainda outra vez, superar os mal feitos de tantos de seus próprios filhos? Esperei, tenho esperado, lá se me vão 82 anos de vida. E vi e vivi momentos grandiosos e empolgantes, orgulhoso de participar das vivificantes realizações. No entanto, como fosse castigo impiedoso, tudo o que se construía vinha e veio a ruir algum tempo depois. E assim continua sendo.

Hoje, quando vejo um Augusto Heleno, velho militar raivoso, liderando o des-governo, não consigo esquecer-me de ter sido, ele, um dos homens que pugnou pela permanência da ditadura. As mesmas ideias, os mesmos propósitos – quase 60 anos depois? A humanidade conquistando espaços siderais e o Brasil deixando até mesmo de engatinhar?

E Piracicaba, essa que foi o Ateneu, a Atenas Paulista, a Florença Brasileira – como aceitar a destruição de toda uma história por incompetência e ignorância de aprendizes de feiticeiros? De quantas décadas precisaremos se viermos a retomar o caminho escandalosamente desviado? É amargo, triste reconhecer a desesperança. Devo, porém, agradecer pelo que vi e vivi. E orar para um povo notável recuperar o bom senso e enobrecer o seu direito de escolha. Se e quando ou ainda houver eleições livres, os responsáveis pelas escolhas serão sempre os eleitores. Não há outros. Para o bem e para o mal.

Ao anoitecer do dia 31 de junho, aconteceu a consumação de uma tragédia anunciada. O Brasil passou a ser ingovernável, dado o conluio criminoso desse eterno soldado Bolsonaro com o Senado Federal. A “PEC kamikaze” lançou o país num abismo cujo retorno dependerá de um milagre perigoso: a explosão coletiva. Não há saída legal. Nem mesmo racional. Os assaltantes estão jubilosos. E, em especial, pela indiferença – ou covardia? – de lideranças locais e nacionais, inclusive das chamadas classes produtoras. Ora, produtores produzirão para quem, diante da miséria já instalada? Quando uma casa é assaltada, vítimas são todos os seus moradores. Sem exceção.

Sobram-me, pois, o amargor e a tristeza da desesperança. Não verei acontecer. Fica-me, porém, a certeza: o Brasil resistirá. Deitado eternamente em berço esplêndido.

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