“In Extremis” (171) – Redescobrir Deus

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E, quando se tenta explicar o universo como resultado de uma explosão – o “Big Bang” – há, por certo, um início de entendimento. (foto de Stanislav Kondratiev, por Pexels)

Pode parecer estranho e, até mesmo, extemporâneo, o escrevinhador ousar referir-se a Deus num momento de tão intenso materialismo. Mas assim é. Tem, teria que ser, aliás. O sempre presente Voltaire – tido como ateu, mas, na verdade, um teísta – admitiu: “Se Deus não existisse, teria que ser inventado.” Mas existe, sei lá como, onde. E é, também, de outro pensador – talvez, o mais genial deles, Sócrates – a simplicidade da sabedoria: “A existência existe”.

Na realidade, aturdido escriba, estou apenas querendo dividir, com um eventual leitor, uma necessidade que sinto imperiosa para mim: reencontrar Deus, algum deus. Pois esses que estão por aí – especialmente em Brasília – invocados por homens de má fé, são deuses maléficos. Ignoram os pobres, divertem-se com a miséria alheia, usam coturnos e fardas, propõem o armamento do povo, num novo mandamento: “Armai-vos uns aos outros”.

Nem sempre percebemos, mas, quanto mais se desenvolvem a ciência e a tecnologia, mais nos tornamos frágeis diante da Criação. E, quando se tenta explicar o universo como resultado de uma explosão – o “Big Bang” – há, por certo, um início de entendimento. Desde que, também, se faça uma pergunta essencial: o que explodiu? Se há explosão, algo explodiu. Logo, se explosão é um efeito, há uma causa. O que explodiu, por que explodiu?

Em minha imaginação também de ficcionista, prefiro outra história. Penso, então, numa festa particular de deuses e deusas, festa íntima. Tão felizes estavam, completos, plenos que resolveram semear suas maravilhas. E as sementes espalharam-se pelo vazio, preenchendo-o admiravelmente. Orgasmos de deuses criadores, por que não? E, por ser uma simples historieta, não me interessa saber de onde e como deuses e deusas de minha festa surgiram. “A existência existe”. Não há como fugir de uma certeza: houve um início.

O deus de Brasília e da tal “famiglia” – que mistura falsa religião com falsa política – não pode e nem deve ser amado. É um deus absolutamente superado, de quando a ciência ainda acreditava em “Terra plana”, centro do universo, o Sol passeando em nossa volta e não nós em volta dele. Aquele “Deus, Pátria e Família” – agora acrescido de “rachadinhas, assédios sexuais, fome, miséria, desemprego” – é criado pelo nazi-fascismo, antes, pois, da Segunda Guerra Mundial. Tal concepção, ideia, invenção de deus redundou no horror da bomba atômica. Portanto, como o seu próprio deus, a tal “famiglia” está e vive numa época já morta há, pelo menos, oito décadas.

Nunca consegui acreditar – e, muito menos, amar – em um deus cruel, vingador, narcisista, negociante. “Ame-me acima de todas as coisas!” – vaidoso demais. Como acreditar que nasci para sofrer e, então, estar preparado para viver delícias de outra vida nos céus? Não, não consigo. Para mim, nascer é dádiva, bênção, privilégio. Apesar de dores e sofrimentos. Nisso crendo, semeei filhos, feliz por dar-lhes oportunidade de viver a aventura da própria humanidade. Ora, que idiota seria eu se, vendo a vida como “vale de lágrimas”, gerasse filhos para esse sofrimento? Um sádico?

Creio na necessidade da redescoberta de Deus. E, para isso, creio, também, na sabedoria do coração. Basta ouvi-lo. Ouvindo-o, mudam-se os olhares, a maneira de ouvir. O Belo – que brota de todas as coisas vivas, incluindo as humanas – deslumbra, fascina, revela. Uma flor, uma fruta, uma árvore, uma criança, uma pessoa idosa, um entardecer, o céu estrelado, um luar. Corte-se uma laranja, veja-se a maravilha de sua interioridade. A “existência existe”. Basta entender isso. Acho.

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