“In Extremis” (2) – Assistir AO, assistir O

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(imagem: Pexels)

Com uma que outra pausa, chego aos meus 63 anos de atividades jornalístico-literárias. Foi e tem sido uma aventura inenarrável, qual, talvez, a de um peregrino que, montado em seu cavalo, se deixou levar pelos ventos da vida. E quantos ventos, ventanias, temporais, mas, também, brisas! Nenhum dia foi igual ao anterior. E, no entanto e paradoxalmente, as coisas se repetiam. Foi-me, pois, imperativo acolher Ortega e Gasset: “o homem é o homem e suas circunstâncias.” Assim, quando pensamos ser, estamos, apenas, sendo, uma construção permanente.

Portanto, mudando-se as circunstâncias, muda, também, o homem. Ou deveria mudar. E o confronto se acirra cada vez mais, ainda sem vencedor: a civilização e a cultura vencem  a natureza? Ou a natureza sobrevive à ação humana? E o homem – adaptando-se às transformações – faz escolhas ou é apenas conduzido? Ao fim, somos atores ou espectadores? Em quê estou sendo transformado? Meu eu, cadê?

Crises atuais, não acredito sejam, elas,  mais complexas do que as de outras eras. São proporcionais às circunstâncias, aos contextos. Não conseguimos dimensioná-las, assim, também, como não o fez a geração da máquina a vapor. Sem entender o que ocorre, não há como propor soluções. Fica-se sem norte e, portanto, desnorteado. Ora, um povo desnorteado torna-se  presa fácil dos falsos profetas de cada época. Pois, na realidade, não sabendo como e o quê fazer, passa a esperar por milagres e milagreiros. E ocorrem equívocos devastadores, como o de confundir o esperar – no sentido de não tomar decisões – com o esperançar, o ter esperanças concretas, a confiança de que algo bom irá acontecer. O que estaríamos fazendo hoje: esperando ou esperançando?

De minha parte, hei de, conscienciosamente, reconhecer: não mais tenho tempo para esperar. Nem, também, de esperançar quanto a realidades próximas. Esperei, confesso-o, mais do que a razão me autorizou. E esperancei com tanto entusiasmo que, hoje, não mais sei se foram esperanças ou sonhos. Ou são,  sonhos e esperanças, a mesma ilusão? Sonhei, desde a infância, com um Brasil grandioso em justiça e desenvolvimento. E tive – de época em época, de governo a governo – a esperança de o sonho realizar-se. Em vão.

Ao fim da jornada, não mais admito a espera, aguardando que outros o façam, aguardar que outros o façam, sejam líderes, sejam governos. O verbo que me angustia e me cobra é “ASSISTIR”.  O seu significado  simplista é o “estar presente, comparecer.” Pode-se, porém,  assistir de maneira passiva:  “assistir ao espetáculo, ao filme, ao show, à tragédia”. Ou de forma  ativa, agindo, atuando: “assistir o doente, assistir o necessitado, assistir o desesperado”.

Chega! A hora agônica é a de ajudar, de auxiliar, de socorrer. Hora decisiva da solidariedade e da compaixão. Não se pode mais ficar, impunemente, “assistindo ao” espetáculo degradante da fome e da miséria, simples espectadores de um filme de horror, nosso filme nacional. Há que se “assistir o” irmão brasileiro desesperado. Cada um de nós tem algo a dar, a oferecer.  Um prato de comida, um agasalho, um sapato, até mesmo uma esmola. Ou apenas um sorriso, um gesto de solidariedade humana. Não há tempo para se falar em “ensinar a pescar em vez de dar o peixe”. Não se ensina a nadar quem está se afogando: socorre-o. Nosso vizinho pode estar afogando-se. É justo, é humano, é honesto ficar apenas assistindo ao afogamento?

Não há mais o que esperar de líderes e governantes. Cada um de nós precisa dar um mínimo de si. A árvore nasce de uma simples semente.

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