“In Extremis” (24) – A “caipirinha” é piracicabana!
Penso não precisar dizer do quanto amo e enalteço essa nossa terra piracicabana. Mas continuarei a afirmá-lo, a proclamar esse amor até porque mantenho a esperança de poder contagiar, pelo menos minimamente, as novas gerações. Somos um tesouro histórico, cultural, educacional, político, empresarial, esportivo – gama de pioneirismos e de participações.
Como me amarguro com tanto desperdício, com tanto comodismo, com a indiferença de lideranças em relação a esses nossos ricos valores, às bênçãos de todos esses privilégios! Pois – quando, aturdidos pela globalização, povos buscam retomar a sua verdadeira identidade – Piracicaba dá-se ao luxo de “adormecer sobre os louros” conquistados. Dia após dia, nações e comunidades reorganizam-se para recuperar princípios e valores esquecidos ou varridos pelo vendaval do materialismo.
A “caipirinha” – aperitivo agora de renome internacional – é testemunho de nosso desperdício, da imperdoável indiferença de nossas lideranças. Isso me dói pessoalmente, no coração. Pois há muitos e muitos anos tenho insistido em divulgar que a “caipirinha” foi criada em Piracicaba, sua origem é piracicabana. Ainda recentemente, em dois de meus livros – “Piracicaba, doçura da terra” (2017) e “250 anos de caipiracicabanidade” (2019) – insisti novamente, apresentando provas da Associação dos Produtores de Cachaça.
Foi durante o horror da “gripe espanhola”. Não havendo mais como enfrentar a epidemia, médicos e fazendeiros de nossa região inventaram uma solução caseira: cachaça, mel, limão e alho. Gostaram do sabor e tiraram o alho. À falta de mel, colocaram açúcar. E estava criada a “caipirinha”, nome dado ao aperitivo exatamente por ter-se originado na nossa região caipira. A bebida passou a ser parte de nossa cultura, ainda que combatida por entidades religiosas que pregavam a sobriedade, a temperança. Mesmo assim, a caipirinha consagrou-se como o aperitivo nacional.
Há décadas, tentei alertar para valorizarmos essa joia do “caipiracicabanismo”. E o resultado foi uma insuportável indiferença – ou falta de visão – de lideranças de nossa época. Pois bem. Para minha tristeza ainda maior, eis que os cariocas aprovam um projeto que nos rouba o pioneirismo pela criação deste novo tesouro da economia nacional: o Rio declara a “caipirinha” “patrimônio imaterial” daquela cidade. Admite não ser a cidade de origem, dando crédito a Piracicaba. Mas, inteligentemente, apropriou-se de um valor cultural e econômico que nossa terra desperdiçou. Éramos a Terra do Peixe e da Cachaça, como Ribeirão Preto é a terra do “melhor chope do Brasil”. Como foi possível pensar em turismo e ignorar essa singularidade?
Ora, neste meu “in extremis”, a angústia me assalta, no temor pela perda de nossa cultura, de nossa memória. Pois há outros tesouros em jogo, como o pioneirismo em relação à música de viola. Diversas cidades paulistas estão tentando declarar-se “a capital da música de viola.” Mas essa capital é Piracicaba! Foi aqui que Cornélio Pires escolheu o material humano para a sua grande empreitada. Foi daqui que saíram os violeiros e cantadores a gravar pela RCA Victor o primeiro e histórico disco de música sertaneja, os já imortais Mandi e Sorocabinha.
Os 90 anos da divulgação desse grande feito musical sertanejo passaram em branco. Piracicaba parece querer assemelhar-se ao servidor incapaz, da parábola dos talentos, aquele que preferiu guardar a sua parte, enterrando-a no chão. A caipirinha, nascida em Piracicaba, agora se tornou carioca. E agora, José?
Para acompanhar outras crônicas desta série, acesse a TAG “In Extremis”.
Excelente, Cecílio! E não sabíamos disso.
Grande Cecílio,
Sou seu fã desde a Xispada.
Lembro a V que Pira é berço da industrialização do interior paulista e de renomados profissionais Brasil afora.
Ab,
Velloso.