“In Extremis” (32) – Porque acredito em Papai Noel

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(imagem: reprodução Pixabay)

Tivemos uma tia que – para apavorar a sobrinhada – advertia-nos: “Detesto criança, música e flor.” Nunca, porém, conseguiu convencer-nos. Pois, quando a visitávamos, empanturrava-nos de doces, balas, biscoitos. Era adorável, como adoráveis são todas as tias, mesmo quando atacadas pelos “daemons” das bruxas. Família é – ou, pelo menos, era – aquele palco de variedades, um circo, onde acontece toda a dramaturgia humana, comédia e tragédia.

Penso naquela tia ao me recordar das histórias fantasmagóricas que ela nos contava, provocando, em nossos coraçõezinhos, aquela pulsação excitante de medo e de fascinação. A família – refiro-me à de antes, obviamente – era povoada de e por crianças: filhos, irmãos, netos, primos, sobrinhos. De origens diversas:  árabes, turcos, italianos, japoneses, espanhóis, caboclos…  E mescla de todos os perfis humanos: padres, prostitutas, santos, pecadores, profissionais de todas as áreas, pobres, ricos – o adorável caleidoscópio da Vida.

Crianças, eis no que penso, nesta véspera de Natal, uma madrugada em que me deixo embriagar pelo perfume de uma planta que, florindo, abençoou os espaços. O mistério acontece sempre na madrugada, algo estranho. E inexplicável. Crianças… Por que crescem, elas?  Ou, mais dolorosamente ainda – sinto-o, neste meu “in extremis” – por que não lhes preservamos, quando crescem, a doçura do coração infantil? Por que lhes negar a alegria de crer que há o maravilhoso lugar “além do arco-íris”, onde se realizam os sonhos? Aquilo tudo da canção “Além do arco-íris”: “o sonho que você sonhou, um conto de ninar, acordar em um lugar onde as nuvens estão atrás de mim”? Por que renunciar à busca do sonho por projetos de vida que apenas infelicitam?

Lembrei-me de um garoto, nosso vizinho, anos passados.  Uma noite, conversando na calçada – as famílias amigas, adultos, jovens, crianças – começou a trovejar. Relâmpagos riscaram as nuvens pesadas. A criança assustou-se, tentei acalmá-la: “Não se assuste. É São Pedro, fazendo mudanças no céu, arrastando móveis…” Os olhinhos do menino arregalaram-se, assanhados.  Mas a mãe dele interveio, leoa feroz: “Não acredite nisso, filho. O trovão é uma questão física, uma descarga elétrica…” E advertiu-me: “Não admito que ele cresça aprendendo mentiras e fantasias.”

Ora, estou entre os que acreditam numa louca fantasia de Deus ao criar o universo. Ou – pela visão de economistas pragmáticos – não há de ser louco quem inventa um projeto impossível de ser entendido? Um criador que – não buscando lucro ou prejuízo – diverte-se em ver estrelas explodindo nos espaços, Lua e Sol alternando-se para dar lições de repouso e de ação? Não há de ser louco quem inventa que, apesar de tudo, haverá Primavera, Verão, Outono, Inverno? Uma loucura tão contagiante que, em suas criaturas, despertou a necessidade de criar datas, modelos, referenciais.  Um Natal, um Jesus, um Papai Noel…

Ao fim, estou, apenas, querendo contar que acredito em Papai Noel. Acredito por tê-lo visto pessoalmente. E ele não vestia aquelas roupagens, nem apareceu num trenó. Foi numa inesquecível noite de minha infância, na magia da véspera de Natal. Eu não conseguia dormir, aguardando a chegada do mágico que entraria pela chaminé da casa. Minha cama ficava ao lado da janela. E eu – lembrança de que jamais me esqueci – olhava aquele céu incrivelmente estrelado, na esperança de ver o trenó dirigido por renas aladas. Foi, então, que percebi um barulhinho ao pé da cama. E, na escuridão, vi o vulto que tentava esconder-se, indo-se rápido. Era meu pai, com meu presente de Natal, um caminhãozinho de madeira que ele fizera com suas próprias mãos. Ele, meu pai, era o Papai Noel.  Que alegria maior para um filho?

Naquela noite, entendi: viver é fantasiar. Caso contrário, tudo desmorona.

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