“In Extremis” (4) – Tudo é menos que todos?

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(imagem: Jakub Krechowicz – Pexels)

Palavras, elas me fascinam. Sinto haver, nelas, algo de misterioso, de sagrado. E essa inquietação me acompanha desde a infância. Eu me perguntava: “por que gato se chama gato e não cachorro?” E, então, ensinaram-me ter sido Adão o convocado a dar nome a todas as aves e animais, coisa esquisita… Fiquei ainda mais inquieto.

O fato é que – aos nove, dez anos – um tio muito querido presenteou-me com algo que me marcou a vida: um dicionário. E um conselho, quase ordem: “Aprenda o significado de, pelo menos, duas ou três palavras por dia.” De início, obedeci. E viciei-me em palavras, em dicionários, em enciclopédias. Agora, já na velhice, descubro ter-me trazido, essa busca, mais angústias do que alegrias. Pois as palavras vão perdendo o seu sentido original, adaptando-se ao uso popular que se faz delas. É o ritmo irrefreável da língua. Mas isso complica a vida. Pelo menos, a minha.

Ando, atualmente, ensimesmado com novas palavras que se tornaram como que moda nos meios de comunicação. Uma delas: homoafetivo. Sei lá por quais raios de disfarce – já que os armários se escancaram – trocou-se homossexual por homoafetivo. O antepositivo hom, em grego, significa semelhante, igual. No latim, foi assumido, também, como homo, o ser humano, o vivente. Quando nos referimos ao Homem, relacionamo-lo à pessoa humana. Homossexual é o que tem atração e mantém relação sexual com outro do mesmo sexo, o seu igual em gênero. Ora, o homoafetivo – neologismo recente – tem que ser o que tem afeto por outro semelhante a si, digamos que do mesmo sexo. Caramba! Nesse sentido, eu sou homoafetivo sem ser homossexual ou homoerótico pois tenho profundo afeto por amigos, por meu filho, por professores, parentes – todos homens. E mulheres, todas elas, são, também, homoafetivas – com grande amor por amigas, avós, mães, filhas, tias – sem serem, necessariamente, homossexuais.

Na realidade, porém, toda essa inútil reflexão eu a faço por, novamente, estar com medo, conforme tenho revelado. Na verdade, meu medo é crescente. Pois me parece estar numa época em que palavras e conceitos discutíveis se revelam tão categóricos que corremos o grave risco de sermos ainda mais escravizados sem o percebermos. Se, na análise lógica, a premissa é falsa, falsa, inevitavelmente, será a conclusão. Por exemplo:  se alguém afirmar que “o homem é imortal” e eu acreditar em tal insensatez, haverei de concluir estupidamente: “ora, eu sou homem; logo, sou imortal.” Tudo, em mim, haverá, então, de desmoronar.

Incomoda-me o novo lema governamental: “Brasil acima de tudo; Deus acima de todos.” Mais do que conceito falso, isso é tolice. Por diversas razões não apenas filosóficas, mas apenas humanas, realísticas. Primeiro, quando se põe Deus na questão política, isso revela indícios de simples fanatismo infantil. Quanto ao lema adotado, pergunto-me: “tudo” é mais ou menos que “todos”?Tudo” significa totalidade, ”totus”,  o total das coisas, de todas elas, sem que falte nenhuma. Logo, “tudo” abrange “todos”.

Ora, se botaram Deus na conversa, apenas Ele – onisciente, onipresente, onipotente –  pode estar acima de tudo. E, obviamente, acima também do Brasil. E de todos nós. Portanto, proclamar o Brasil acima de Deus é – convenhamos – pretensão pouco inteligente. Vai daí, eis que me faço uma pergunta desafiadora: quem, honestamente, coloca Deus e o Brasil acima dos próprios filhos, dos netos, da família?

Eu, não. E que Deus me perdoe por esse meu amor tão humano. 

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