“In Extremis” (43) – “… os idos de março”

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Em 27/março passado, diante da praça da Basílica de São Pedro vazia – fato inédito –, Papa Francisco fez orações e ofertou a bênção “Urbi et Orbi” (do latim, que significa “à cidade e ao mundo”). A benção concedida para o perdão dos pecados foi feita em caráter extraordinário, pelo contexto da pandemia de coronavirus. Ela é pronunciada pessoalmente pelo Papa em apenas três ocasiões (Páscoa, Natal e festas cristãs). [foto: Franco Origlia / Getty Images]

Durante muitos anos, no Brasil, o mês de agosto foi considerado fatídico.

Em agosto, dia 24, em 1954, Getúlio Vargas suicidou-se, mudando radicalmente os destinos do Brasil. E, em 1961 – num agosto, dia 25 – Jânio Quadros renunciou, patética e teatralmente, à presidência da República. Para reforçar, Dilma Roussef foi incrivelmente tirada da presidência em 31 de agosto de 2016… Logo, mesmo que se não creia nelas, parece que as bruxas, realmente, existem…

No entanto, diante da História, o mais terrível e fatídico dos meses tem sido março. No calendário romano, “idos de março” (“eidus”) correspondiam ao dia 15 de março, de nosso calendário. Ainda no século XVI, já tão longínquo, Shakespeare entendera o poder das bruxas ao escrever a peça “Júlio César”. Nela, um adivinho adverte o ditador, pouco antes de ele ser assassinado: “Cuidado com os idos de março…” Mês das bruxas, das fatalidades, do imponderável. César não ouviu e foi vítima dos senadores romanos, que o apunhalaram por 23 vezes.

Insisto: não creio em bruxas. Mas… No Brasil, o mês de março trouxe mais estragos do que agosto. Se, para os romanos, sempre foi o mês de acontecimentos trágicos, há marços brasileiros que nos trazem amargas lembranças. Foi, num 13 de março, em 1964, que o então presidente João Goulart (Jango) fez o desastrado discurso que atemorizou grupos poderosos.  Jango provocou a reação inicialmente dos paulistas, liderados por religiosos, movimentos femininos e o impagável Adhemar de Barros. E, assim, no dia 19 – daquele março de 1964 – aconteceu a piedosíssima “Marcha da Família com Deus pela Liberdade”. Para se ver, que Deus não é novidade em manifestações políticas. Pelo menos, nestas terras brasileiras…

E, noutro março de tantas bruxas, (31, 1964) aconteceu o levante militar mineiro que deu início à proclamada Revolução Redentora. Era o golpe civil-militar, que, por longos e dolorosos 21 anos, nos roubou direitos constitucionais e humanos. Ah! aqueles “idos de março” – quanta amargura, quanta tragédia, torturas, silêncios, censuras. Ah! se os tolos – que os desejam de volta sem tê-los vivido – soubessem da morte espiritual que nos traz a perda da liberdade. Ah! se homens públicos de agora entendessem o horror de quando “a farda substituiu a toga”, de quando a força substituiu a justiça, de quando o guarda da esquina se tornou pequeno ditador.

Eis, então, que este março de 2020 pareceu pretender invocar histórias macabras. O tal destino já zombara da gente brasileira quando parte do povo – em nome de uma democracia fragilíssima – brincou com a sacralidade do voto. E, então, um ex-paraquedista caiu sem paraquedas no Palácio do Planalto. E se tornou o horror desses nossos “idos de março”.

Os “daemons” gregos tornaram-se os demônios dos povos latinos. Soltaram-se, agora, através da ação e da voz do ocupante do Alvorada. Neste março que se finda, eles agiram: no dia 15, quando o ex-capitão incentivou multidões a saírem às ruas. No dia 24, em pronunciamento enlouquecido pela televisão. Nos dias seguintes, desafiando a ciência, agiu como um perigoso e irresponsável César provinciano.

Mas – ao final desses “idos de março” – um ancião, com passos claudicantes, mas com uma aura de fraternidade, alimentou de esperança o coração da humanidade. Francisco, o Papa em nome de todos nós, invocou a proteção do Deus do amor, da compaixão, da misericórdia para toda a humanidade. O ex-capitão está sozinho. Ninguém o advertiu, como a Júlio César foi dito: “Cuidado com os idos de março.”

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