“In Extremis” (44) – E é Páscoa, passagem

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Horizonte. (imagem: Free-Photos, por Pixabay)

Uma das riquezas da velhice – pelo menos, para mim – está em descobrir a capacidade de compreensão. É como se se estivesse trajando muitas e pesadas roupas e, de pouco em pouco, ir-se despindo delas. Uma a uma. Para e por quê a capa, o paletó, a gravata, luvas?

Confesso não saber se a idade nos leva a alguma forma de sabedoria. Nem mesmo sei o que seja a sabedoria. Vivo, porém, a intuição de que – se a sabedoria existir – sejam, seus primeiros sinais, os da compreensão. Pois compreender, parece-me, abarca a tolerância, a paciência, a benevolência. Não apenas em relação aos outros, mas, especialmente, para consigo mesmo. Seria a aceitação daquele tesouro inscrito na entrada do Oráculo de Delfos, a: “Conhece-te a ti mesmo”.  E como é difícil! E como demora a chegar, mesmo que devagarinho.

Sem compreensão, sem paciência, sem tolerância não saberemos enfrentar esse desafio angustiante que nos traz a pandemia, abalando-nos todos os alicerces. Temos que buscar a compreensão desse pesadelo. E, para isso – é minha convicção – precisaríamos entender que a pandemia não é, em si mesma, um problema, o problema. Pois, se assim fosse, teria uma solução, por mais difícil se apresente. A pandemia é uma contingência. É o imprevisível e o inevitável que faz parte do todo, de nossa condição humana e cósmica. Da mesma maneira como o gado, a plantação são atingidos pelas pragas, as populações podem ser atingidas pelos vírus. Por um tsunami. É ser parte do todo. O que nos resta é enfrentar a tragédia, enquanto a solução não nos aparece.

Os problemas verdadeiros estão nas consequências. No depois. Se a causa não pôde ser prevista, eliminada – suas consequências terão que ser assumidas e, então, buscarmos a solução para o imenso problema. A fome, o desemprego, a orfandade, o desajuste social e econômico, a falência de conceitos e valores que vigiram até aqui. Ora, nada podemos fazer diante da morte – que é contingente à vida – mas muito e muito podemos fazer com a tristeza, o desamparo, a dor dos que a sofreram. É problema que os sobreviventes têm que resolver.

Volto a insistir em algo que parece apenas abstrato, mas que não é: a vida emite sinais. Há-se, pois, que captá-los, entendê-los. Perdem verdadeiras riquezas aqueles que os confundem com superstições. Ora, a história humana tem sido construída a partir desses sinais que, desde as funduras dos tempos, nossos ancestrais decodificaram, criando, em seguida, novos códigos que resultaram nas diversas formas de civilizações. Incluindo, as religiosas.

Eis que, quase sem o percebermos, estamos diante de um maravilhoso e redentor sinal mais do que milenar: a Páscoa. Por que não estabelecermos – até mesmo para nos confortarmos – um paralelo com a Páscoa dos hebreus? Viveram o martírio do exílio, da escravidão, das dores, dos sacrifícios – e fizeram a passagem, o “pesach”, a Páscoa. Cristo viveu o sofrimento e a morte – e, numa Páscoa, encontrou a ressurreição, a vida nova.

É, pois, Páscoa. A passagem. Vivemos um tempo de paixão e morte. Mas há a esperança de um renascimento, de ressurreição. Estamos passando, vai passar. Em minhas orações, aprendi muito mais a agradecer do que pedir. Mas também peço. E peço o dom da fé, da prudência e da sabedoria. Com prudência para enfrentar nosso martírio, virá a sabedoria para superá-lo.

Com essa esperança pascal, reporto-me a Camões, ao admirável Camões:

Depois de procelosa tempestade,

Sombria noite, sibilante vento,

Traz, a manhã, serena claridade,

Esperança de porto e salvamento.

Amém.

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