“In Extremis” (48) – “Nenhum homem é uma ilha”

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(imagem de Frank Winkler / Pixabay)

Nas últimas semanas, angústias são o que não nos falta. E, no ar – já há mais de 400 anos – um poema do inglês John Donne parece aumentá-las. A mim, pelo menos, aquelas palavras me alfinetam a consciência:

Nenhum homem é uma ilha isolada; cada homem é uma partícula do continente, uma parte da terra; se um torrão é arrastado para o mar, a Europa fica diminuída (…); a morte de qualquer homem diminui-me, porque sou parte do gênero humano. E, por isso, não perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti.

Busquei a solidão, o isolamento quase como um ideal de vida. Nunca, porém, pretendi a “fuga mundi” (afastamento do mundo) ou o “contemptu mundi” (desprezo ao mundo). Nunca. Precisei e preciso da solidão como companheira para, com mais serenidade, poder pensar, refletir, entender. Aprender a contemplar. E, então, escrever. Creio seja o desejo de “estar no mundo, sem ser do mundo”.

Mas, “nenhum homem é uma ilha isolada”. Mesmo não o saibamos ou queiramos, somos membros de um mesmo corpo. Uma simples machucadura no dedinho do pé atinge o todo. A solidariedade – misteriosa ou reveladoramente – nasce dessa unidade quase sempre inconsciente. Se bem pensarmos, haveremos de admitir haver um único útero gerador, um útero universal. Daí, a conclusão que, a muitos, tem fascinado, revelação: “Deus é Mãe”.

Essa tragédia não nos deu, ainda, tempo para pensar. O susto e o medo levam-nos a simplificações, à retomada até mesmo de velhos tabus. E, nesse simplismo ancestral, eis que ressurge a figura de um deus raivoso, colérico, punidor. Foi assim no passado, quando acreditar em divindades abrandava medos humanos básicos. Um poder supremo poderia controlar forças desconhecidas, oferecendo, assim, um mínimo de segurança. Pelo que se vê, há, ainda, resquícios disso. O ser humano não consegue, ainda, ser humano.

Por que tanto horror? E por que no mundo todo? Ora, e por que não, se nos temos vangloriado de criar um mundo globalizado, uma aldeia global? Se o dinheiro se globaliza, por que também não a pobreza, a miséria? Se recursos espetaculares para a saúde globalizaram-se, por que não a doença, a dor? Se nações ambicionam o domínio dos espaços – a conquista de Marte, das estrelas – não é compreensível que ignorem os humanos famintos, sofredores?

Com a sensibilidade do artista, John Donne já antevira, compreendera: “cada homem é uma parte da terra”. E se, realmente, assim o compreendêssemos, admitiríamos estar ferindo a Terra, machucando-a, fragilizando-a em órgãos vitais. Tentando dominá-la, exaurimo-la. A loucura é suicida, mas insistimos em alimentá-la. Basta atentarmos para os loucos também desta nossa era repetindo a ambição de Ícaro, que se lhe tornou trágica.

Foi  observando os fenômenos da natureza que Newton criou  a lei também conhecida como da ação e da reação: “A toda ação, há, sempre, uma reação oposta e de igual intensidade (…)” A Terra, pois, apenas reage às violências com que a tratamos, de maneira oposta e de igual intensidade. É a legítima defesa, num organismo vivo e pulsante de que todos fazemos parte. Não existe essa ilha chamada homem. A Vida não o permite.

Quem não percebeu o ar mais limpo, mais peixes nos rios, os dias mais claros? Amedrontado, o homem parou.  E o mundo está tomando fôlego para sobreviver ao caos que vimos criando. Em meu canto, vou tentar apaziguar-me na consciência, bendizendo os céus por, antes de ir-me, ainda ter tempo para procurar entender o mais simples: a paz está embaixo do meu fogão. Do fogão de cada um.

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