“In Extremis” (6) – … e a última morreu.

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Pelé: fomos, sim, campeões em áreas significativas. (imagem: Google)

Perdi o direito de ter esperança no Brasil dos sonhos de minha geração. E como isso dói! Nasci, cresci, vivi com a perspectiva do “Brasil, País do Futuro”, previsto por Stefan Zweig. Muitas vezes, esse radioso porvir pareceu-nos próximo. Mas tudo desmoronava, ruía. A esperança, porém, ressurgia, ainda mais fortalecida. E voltava a ruir. Hei, hoje, de confessar ter aprendido a amarga realidade de a esperança estar vinculada ao tempo de vida de que se dispõe: “ainda há tempo de esperar”. Para mim, houve. Debalde!

Há poucos anos, uma frase – não me lembro se de um sábio, se de um profeta – levou-me a refletir ainda mais sobre a aventura de viver: “A esperança retardada adoece o coração.” Meu coração esteve todo o tempo doente e eu não o percebera. Doente de esperanças retardadas, frustradas, ruídas. E doente de tanto teimar na esperança que nos permitia sonhos sem fim. Que orgulho, quanta esperança, o “gigante pela própria natureza, belo, forte, impávido, colosso”! Como é doloroso viver tanto e, ao final, ter medo de ter sido, tudo, apenas ilusão.

Minha esperança de ver esse Brasil glorioso morreu. Ficou longamente enferma durante a ditadura militar. E, hoje, temo por uma recaída diante de tantos tolos – ou ignorantes – com saudade daquilo que não conheceram. A liberdade é a maior graça do ser humano. Aceitar privar-se dela revela, apenas, o desrespeito para consigo mesmo. E quem não se respeita, banalizando seus direitos fundamentais, não merece crédito. Ora, não há mais confundir rebanho com colmeia. No rebanho, todos são dominados, dirigidos. Na colmeia, cada abelha cumpre a sua função, respeitando a rainha e criando uma comunidade que poliniza a terra e produz a doçura do mel. O rebanho vai para o abate; a colmeia gera vida.

Emociono-me às lembranças que, ainda, me aquecem a alma. Como pudemos perder o grande despertar dos anos de Juscelino Kubitschek? E é com saudade cívica, fortíssima saudade, que me lembro dos meus 18 anos quando, preocupando familiares e amigos, fui-me, na boleia de um caminhão, ajudar, por alguns dias, na construção de Brasília. A grande obra estava destinada a ser, conforme o filósofo francês, André Malraux, “A Capital da Esperança”. O que aconteceu? Quantas décadas levaremos para recuperar o que foi destruído?

Estamos sendo roubados, secularmente, ao nosso luminoso papel na História. Progresso significa desenvolvimento com sentido ético, nada tendo a ver, pois, com, apenas, interesses e apetites de poucos. O Brasil palpitante de minha geração empolgou o mundo com sua audácia e riqueza humanas: inédita construção de Brasília, a meta dos “50 anos em 5”, mudanças revolucionárias, pioneirismos formidáveis. Parodiando Fred Mercury, “We are the champions“. Fomos, sim, campeões em áreas significativas: Martha Rocha, a segunda mulher mais bela do mundo quando isso tinha importância; Maria Esther Bueno, campeã mundial de tênis em Wimbledon; Eder Jofre, campeão mundial de boxe; campeões do mundo em futebol e em basquete; Pelé; bossa nova – ah!  o futuro tinha chegado.

A esperança, dizem ser, ela, a última a morrer.  Se for verdade, a minha morreu. Pois não mais tenho tempo de aguardar o que demandará décadas e décadas, se voltarmos a ter um mínimo de juízo e um máximo de indignação. A esperança, que me sobrou, está nas palavras de Paulo: “Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e o amor, estes três. Mas o maior destes é o amor”.

O meu amor por este país – ainda que doído e frustrado – aumenta cada vez mais.

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