“In Extremis” (64) – Irmãos de opa

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(imagem: Pixabay)

Burro, sei que o sou. Ninguém precisa mo dizer. Mas só de vez em quando. Pois há coisas que não entendo, mas me dou razão para não entendê-las. Essa história, por exemplo, de velhice. Sinto-me, nos últimos tempos, como que humilhado. Afinal de contas, por que, aos meus 80 anos, sou chamado de velho e alguns móveis e objetos de minha casa – com cerca de 150 anos – são considerados antigos, raridades? Por que, no Museu Prudente de Moraes, àquela montoeira de coisas do século XIX tanta importância se dá – e, do pessoal idoso, dizem estar no Lar dos Velhinhos?

Tal indignação sempre me surge quando, a mim, me escapa uma palavra, uma expressão que dizem não mais serem usadas. Nestes dias mesmo, ao tomar conhecimento do que fazem generais do atual governo – num processo de autoproteção, blindando-se uns aos outros – vi-me falando sozinho: “Caramba, são irmãos de opa!”.  E, então, uma autocrítica: “Será que ainda se usa falar em irmãos de opa? Quem ler – se, ainda, houver quem leia – entenderá? Mas não posso renunciar à verdade: o pessoal do glorioso Exército brasileiro são, também eles, irmãos de opa. O Brasil inteiro continua formado por centenas, milhares de “irmãos de opa” – atualmente conhecidos como fraternidade, turma, turminha, família, tribo, compadrio, negadinha, o escambau.

Mas, vamos lá: opa   – não sei se ainda existe – era aquela capa, sem mangas, que o pessoal das irmandades religiosas usava em cultos, em procissões. Eram irmãos na fé e se tornaram irmãos na e da opa. Historicamente, esse tipo de fraternidade sempre existiu. O homem é um ser social. Para o bem, para o mútuo auxílio. E, igualmente, para o mal. A origem da máfia, por exemplo, foi como um agrupamento de proteção mútua aos desprotegidos, aos perseguidos. “Maffia” tinha o sentido de refúgio, de acolhimento. Daí, ter-se tornado “famiglia”, “cosanostra”. Não seria, então, próprio do ser humano criar “famiglias”, mesmo que disfarçadas em simples famílias?

Essa reação de generais por críticas feitas a colegas que estão em atividades civis não deixa de ser solidariedade de “irmãos de opa”, o “esprit de corps”. Mas há agravante: quando militar se envolve em política passa a ser político, age como político e está, assim, sujeito a avaliações que se fazem a políticos. Mas o Brasil, infelizmente, vive o que chamo de “nostalgia da caserna”. Nossa república nasceu de inspiração militarista, continuou militarista e o espírito da democracia brasileira – reconheçamo-lo com humildade – é militarista.

Deodoro e Floriano, primeiros chefes da república criada pelas armas; Hermes da Fonseca, Eurico Dutra; os ditadores Castello Branco, Costa e Silva, Garrastazu Médici, Ernesto Geisel, João Figueiredo. Outro ditador, Getúlio Vargas, ao comandar o golpe de 1930, usava farda. Em São Paulo, o Brigadeiro Faria Lima. E militares poderosos lideraram movimentos e partidos políticos: Eduardo Gomes, Juarez Távora, Luiz Carlos Prestes. E tantos e tantos outros. Pois, a sociedade civil brasileira – mesmo tendo feito tantas tolices anteriores – ia bater às portas dos quartéis convocando os militares para o governo civil.

Um problema: militares, mesmo na reserva, não deixam, jamais, de ser militares. É um espírito, uma vocação, um destino. O povo há que ser obediente. Como tropa. Ou não é o que fortes alas do governo – aliás, uma família – têm desejado? Mas, pergunto-me a mim mesmo: faz diferença? O que muda se, apenas, tirarem ou colocarem fardas em “irmãos de opa”?

O desastroso é capitão tentar dar ordens para generais…

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