“In Extremis” (65) – “Pai, eu tenho mais de 50 anos…”

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(imagem de Bruno/Germany, por Pixabay)

São cinco filhos. E, ainda, estou com eles. Penso, então, naquele texto do admirável Khalil Gibran: “Vossos filhos não são vossos filhos. São os filhos e as filhas da ânsia da vida por si mesma. Vêm através de vós, mas não de vós. E, embora vivam convosco, não vos pertencem.” Palavras poeticamente lindas. Mas equivocadas, ditas por alguém que nunca teve filhos biológicos. Ora, meus filhos são, sim, filhos meus. E não abro mão disso. Que brincadeira é essa, a do Gibran?

Essa minha indignação, manifesto-a exatamente em razão das palavras de um dos meus filhos, criança petulante. Pois, vendo-o com certa palidez, senti vê-lo também emagrecido. Com preocupação na alma, perguntei-lhe: “Filho, você está se alimentando bem? Quer comer alguma coisa?” Ele, então, olhou-me com aquele olhar bovino de toda criança que pensa ser independente: “Pai, para com isso! Eu já tenho mais de 50 anos, pai.”

“Mais de 50 anos”… E daí? Quem ele pensa que é? Para um pai, a paternidade não tem espaço nem tempo. Filho é filho para sempre. Em qualquer lugar, em qualquer hora. Filho é filho “ad aeternum”, eternamente. Filho não cresce, não amadurece. Filho continua sendo criança, mesmo quando – como acontece com esse meu filho tão querido – ele próprio se torna avô. Ora, o neto de meu filho é meu bisneto. Logo, sou bisavô. Mas, antes de mais nada – caramba! – sou pai de meu filho, que é pai de meus netos e avô de minha bisneta. O que essa geração de pessoas mudou na vida? Eles todos, todos eles são minha criançada. As filhas, também.

Ainda na última sexta-feira (20/08), perguntei, com ansiedade, à Dona Ângela – a “anja” que cuida da e governa a casa: “Alguém, da criançada, telefonou para mim?” Ela sorriu e entendeu: toda aquela filharada adulta, casada, já quase envelhecendo – todos aqueles cinco e mais os sete que eles produziram e genros e nora – todos eles são minha criançada. Quer queiram ou não queiram. Quer gostem ou não gostem.

Como não ser assim? Que história é essa de se vangloriar de ter “mais de 50 anos”? O que é a eternidade diante do amor de mãe, de pai? Eu não sou Deus – absolutamente, não sou! – que deixou o filho morrer na cruz e ficou quieto. Filho meu, se tiver um resfriado saberá de minha angústia. Até hoje e ainda agora – ai, Senhor de Todas as Coisas! – eu quero carregá-los no colo, dar-lhes comida na boca, limpar-lhes os bumbuns, secar-lhes quaisquer lágrimas, jogar bola ou dançar a cirandinha com eles, deitar e rolar na grama, morder-lhes suavemente as bochechas… Ainda quero repreendê-los, contar-lhes histórias da carochinha, tomar-lhes as mãozinhas ao atravessarem as ruas, levá-los e buscá-los para onde irem e de onde retornarem. Quero voltar a ter aquela raiva quase ódio dos primeiros namoradinhos das meninas e – paradoxalmente – a mesma ternura de generosa expectativa da primeira namoradinha do menino… Afinal de contas, com filha dos outros, pode; com filha minha, nunca!

Quero beijá-los antes de dormir, ajoelhar com eles à beira da cama, agradecer pelo dia e pedir serenidade à noite. E, então, orarmos juntos: “Ave Maria, cheia de graça…” E, depois, vendo-os assossegados, deixá-los aos cuidados do Anjo da Guarda de cada um.

Quando filhos irão aprender que, para os pais, eles nunca crescem?

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