“In Extremis” (74) – A volta dos que não foram

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(imagem: Clker-Free-Vector-Images, por Pixabay)

Discordo daquele pensamento, para mim, esdrúxulo: “Cuidado com o que você deseja, porque pode acontecer.” Ora, o que é a vida senão a incessante busca de transformar sonhos em realidade? Que desperdício seria se vivêssemos apenas para realizar o que outros – pessoas, instituições, legislações – criam ou inventam para nós? Sonhar é preciso, sim. E, a cada sonho realizado, ir-se em perseguição a outros. Pelo menos, é em que acredito. E que dá certo. Tem dado.

Obviamente, refiro-me a sonhos e desejos possíveis, exequíveis, por difícil pareça alcançá-los. Mas descobrir, a cada experiência, que o possível fracasso de um pode ser primícias, prelúdios para a realização de outro. Encanta-me o conselho do poeta: “Atrela o teu arado a uma estrela”.

Na infância e adolescência, os mais acalentados sonhos foram os de viver em florestas. A exemplo de Tarzan e Jane, de Robinson Crusoé, de Nyoka (a Rainha da Selva). Arrebentei-me alegremente subindo em e caindo de árvores; amarrando cordas em galhos imitando cipós e, também, em cipós de verdade como os que existiam na cascatinha da ESALQ, nosso paraíso, nossa floresta africana particular. Saudade! No alto da cachoeira, das pedras, segurando no cipó, soltávamo-nos no espaço, mergulhando na placidez das águas. Garanto que apenas Johny Weismüller foi mais Tarzan do que eu. Só me faltou a Sheeta, a macaca adorável.

Pois é o que estou tentando dizer. Acreditei em ser possível tornar possível o aparentemente impossível. E lá me fui vida afora, mil papéis, mil atividades, mil lugares, mil ideais, mil lutas. Mas o sonho nunca me abandonou, o insaciável desejo de paz, de harmonia, a busca de um mundo verdadeiro, sem farsas urbanas. Pois eu sabia daquele Éden, tão conhecido dos hebreus antes mesmo da fuga do Egito. Não se tratava de uma palavra, de uma ideia, mas da realidade a que buscavam, o ansiado “gan eden”. Era um jardim, o jardim das delícias, “gan eden”, giardino, garden, jardin, jardim, a certeza edênica do paraíso. Ora, essa palavra mágica, paraíso, em sua origem grega, significa exatamente esse sonho ancestral: jardim delicioso.

Jurei a mim mesmo vir a construir, devagarinho, o meu Éden particular. Nele, eu seria, finalmente, Tarzan, e teria minha Jane, meu Boy, minha floresta, o sonho possível. Começou, daí, a grande aventura. Eram outras as vozes, outros os rumores, os balbucios: da brisa e do vento nas folhas de árvores, cantares de passarinhos e de bichinhos para mim desconhecidos, um galo que – por alguns anos – se vangloriava matinalmente na chácara vizinha. Mozart, Bach, Brahms – que eu convidara para o mosteiro – harmonizaram-se facilmente com eles. E, então, Sheeta apareceu. Quase não acreditei.

Era a Sheeta que eu não tivera na minha infância de Tarzan: um pequenino sagui. E ele espiou de um galho de árvore. Depois de alguns dias, outro. E mais outro. Formaram uma tribo de 14 macaquinhos. Era uma festa, foi uma festa. Atrevidos, audaciosos, malandros comiam bananas em minhas mãos. No meu “gan eden”, fizeram o que bem entenderam. Sem me pedir permissão. E gostei, posso dizer que os amei. Mas… O detestável “mas”: prédios começaram a surgir nos terrenos ao lado. Não dois ou três; mais de dez. E os saguis não suportaram. Sem se despedirem, foram-se embora. Houve, então, um vazio no “gan eden”, no paraíso. Os prédios foram a serpente perturbadora do jardim das delícias.

Agora, escrevo de minha alegria. Dois macaquinhos apareceram e estão bagunçando tudo. Sinto-me apalermado. Pois me dizem, eles: “Continuamos por aqui, homem bobo.” Sinto ser a volta dos que não tinham ido. Que fiquem, amiguinhos! Pois o “gan eden” é de vocês.

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