“In Extremis” (77) – O serviçal e o advogado do Planalto

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(imagem: Constance Kowalik, por Pixabay)

Miseravelmente, este país – em especial por parte de pessoas e de instituições responsáveis – perdeu a sua capacidade de indignação. E essa perda conduz-nos a um tal desânimo que estamos prestes a mergulhar na tragédia da indiferença coletiva, a anunciadora da desesperança. Ora, esperança apenas existe naqueles que têm tempo de vida para alimentá-la. No Brasil, não mais tenho esperanças, pois se me finda o tempo e minha geração também não conseguiu construir outro senão o sempiterno “País do Futuro”. Para nós, a cortina já se fecha para um palco ainda mais doloroso do que aquele   pelo qual lutamos.

Não há – por mais lamentável pareça – sinais indicando pelo menos uma saída deste lodaçal em que caímos. E constatar como são frágeis as elites cívicas, políticas, morais deste país – essa constatação leva-nos a uma maior angústia. Ora, os populistas têm culpado as elites pelas mazelas da nação. Mas isso é falso, pois o mais grave, agudo e dolorido dos motivos está exatamente em termo-nos transformado num país sem elites. Pois, por elite, há que se entender o que de melhor, de mais preparado existe numa sociedade humana. Seria o que os gregos chamaram de aristokratia (aristocracia), o governo dos melhores. Se essa elite, se essa aristocracia não cumprir sua missão democrática, se se corromper – teremos a derrocada de uma sociedade.

O conceito de democracia não invalida a realidade que perpassa todos os povos, em todos os tempos, em todos os locais: houve, há e haverá governantes e governados. O povo sempre pretendeu escolher os mais preparados, os melhores para o governo de todos. Na própria democracia, há, pois, o conceito de aristocracia, no sentido de conduzir os melhores para o comando. Ora, até mesmo entre bandidos há uma elite, o comando pelos melhores bandidos. Há tropas de elite, atiradores, esquadrões de elite. São os melhores, os mais preparados. Não há, pois, que haver dúvidas de, num pleito democrático, buscarmos os mais preparados para legislar e governar. Mesmo com todos os nossos equívocos.

De tal forma, porém, permitimos o assalto a princípios norteadores da civilização ocidental que invertemos posições e desmoralizamos conceitos, deturpando até mesmo o verdadeiro significado e sentido das palavras. Esta reflexão do velho escriba é por presenciar a inércia de nossas chamadas elites diante de atentados que minam, cada vez mais, as estruturas que nos sustentam. Refiro-me ao episódio vergonhoso em que o advogado da família Bolsonaro, em Brasília, humilhou e ofendeu a empregada de uma pizzaria, dizendo arrogantemente: “Nenhum serviçal toca em mim!”

E o que é um serviçal, um servo, um servidor – excetuando o sentido negativo que às palavras se deu? Pensemos na jovem Maria, à anunciação do anjo, dizendo: “Eis-me, aqui, serva do Senhor”. Sim, serva, a serviço. A palavra mágica, encantada, agregadora, síntese do valor mais alto de nossa humanidade é simples: servir. É o colocar-se, o estar a serviço. Por isso, até recentemente, pessoas a serviço da população eram, honrosamente, chamadas de cidadãs e cidadãos prestantes.

O advogado da “famiglia” Bolsonaro – aliás, um serviçal advocatício – mostrou-se à altura de seus contratantes, para quem serviçais são pessoas de segunda classe. Eles não sabem – por ignorantes serem – que a realeza britânica tem um lema que se lhe tornou ideal de vida, ideal de política, ideal de governo. Apenas isso: “Eu sirvo”. A Rainha Elizabeth honra esse compromisso até hoje. Ela é serviçal de seu povo.

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