“In Extremis” (85) – Proposta para um mundo novo

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(foto de Buse Doa, no Pexels)

De certezas minhas, tenho poucas. Uma delas é a de precisar, no mínimo, de mais 80 anos de vida para ler o milionésimo do que eu precisaria ter lido. E já entendi não se tratar, apenas, do desejo de saber, de conhecer. Trata-se de viver o deslumbramento – que tenho conhecido – de, em cada leitura, encontrar uma revelação. Isso, apesar da ansiedade ao, claramente, dar-me conta do quanto, do muito que preciso reler, voltando a ler o já lido. Pois chega a ser até mesmo doloroso entender que – tendo lido antes e pensando ter entendido – é preciso ler outra ou mais vezes. Para colher o que não fora percebido.

Na verdade, descubro ter caído, ao longo da vida, numa grande armadilha da qual não sei como e nem quero sair. Lembro-me de, na infância, irmos prender passarinhos untando galhos de árvore com gosma de jaca. Seduzidos pelo perfume, as avezinhas, mesmo antes de apreciar o petisco, ficavam prisioneiras, pezinhos grudados. Semelhantemente, ler é cair nessa armadilha, ficando cativo dela.

A dependência da leitura é uma embriaguez. Porque, mesmo diante da realidade cotidiana, ela nos dá asas para voar através do tempo, do espaço, adentrando o universo do imaginável. Imaginar, então, torna-se um complemento da própria vida. Pois revela a nossa capacidade infinita de apreensão das coisas, da compreensão de sermos parte integrante do Grande Mistério.  Descobre-se a História não ter fim, sendo um processo ininterrupto. Assim, o que aconteceu antes continua a acontecer agora, sob novas circunstâncias e com outros personagens. Descubro, então: eu sou o homem da Idade Média vivendo a realidade da Era Digital. E, no entanto, um privilegiado com a responsabilidade de estar entre os que buscam construir uma outra humanidade.

Nesse universo, entendo, hoje, serem, os chamados livros sagrados, admiravelmente, livros da sabedoria. De toda a sabedoria humana. Que nos é revelada através de códigos desafiadores à nossa compreensão imediata. Debruço-me – ao longo de meus já longos anos – na fascinante aventura de buscar o tesouro oculto nessa milenar herança da humanidade. E ela não se resume tão só à riqueza do cristianismo, mas nas fontes de espiritualidade do budismo, do hinduísmo, do taoísmo, judaísmo, islamismo. Em meu entendimento, Oriente e Ocidente encontram-se através da espiritualidade, embora mostrem-se tão distantes e separados.

Neste início de um novo ano de tantas expectativas e de receios – sinto ser meu dever humanístico apelar, aos homens de boa vontade, que despertem para o anúncio jubiloso que o Papa Francisco tem feito através de suas cartas. Que nos dispamos de extremismos, neuroses ou fanatismos religiosos e vejamos, nesse homem, aquilo que realmente ele é: Conselheiro da Humanidade. A sua última carta “Vamos sonhar juntos” – como que complementando “Laudatio Si” e “Fratelli tutti” – descortina o amplo horizonte em busca do qual devemos caminhar. A sinceridade, o conhecimento, a honestidade de Francisco entram na alma. Há o irresistível convite para a esperança.

Francisco faz uma síntese realmente inspirada do mundo e do momento atuais. E propõe o caminho, a possibilidade imensa de voltamos a desejar o mundo solidário. Tomara os nossos homens públicos deixem-se contagiar por essa proposta. Mais do que isso, tomara as nossas lideranças despertem para entender já estar no fim o mundo dos privilégios, do luxo absurdo, dos contrastes cruéis. A proposta está em percorrer “o caminho para um futuro melhor”. Simplesmente isso: “Vamos caminhar juntos”.

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