“In Extremis” (87) – E a proteção ao animal-homem?

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Animais representados em Origami. (imagem de Nic0leta, por Pixabay)

Seria acaciano lembrar que viver é ciência e arte. Mas lembrar é preciso. Pois são tempos de tal aturdimento que as pessoas – com tanta ansiedade – têm dificuldades até mesmo para respirar. Há, pois, que se recorrer a tudo o que a ciência e a arte nos propõem para conseguirmos sobreviver. Hoje, viver é sobreviver.

Trata-se, pois, de uma faina diuturna. Enfrenta-se isso, supera-se aquilo, nos desafios sem fim ao bicho-homem, a esse animal dito racional. Para superar os enfrentamentos do dia-a-dia – até mesmo como sentido de vida – estabelecem-se prioridades. O que é mais importante agora, o que é vital, qual escolha há que se fazer diante do caos, da desordem, do perigo? Escolher, pois, é um dos grandes desafios para a sobrevivência. Prioridades definem vida e morte, saúde e doença. A insubstituível prioridade é o ser humano, essa criatura que precisa reaprender a coexistir com a magia da Criação.

Dado isso, digo de meu entusiasmo verdadeiramente indescritível ao ler a prioridade que uma vereadora piracicabana, em primeiro mandato, estabeleceu para o seu compromisso legislativo. Primeiro mandato, primeira proposta: um fórum permanente para a proteção aos animais, a bichos que estão abandonados, carentes, necessitados. Formidável! Empolgante! Oportuníssimo! Extraordinariamente misericordioso! Que admirável prioridade! E que inspirada proposta para, enfim, conseguirmos um atalho para superar a miséria, a fome, o desamparo, o abandono, o desespero desse animal tão esquecido a que se deu o nome de ser humano.

É esse animal que me angustia: o homem, o ser humano, macho e fêmea, feitos do húmus, membro da humanidade. Essa história milenar é contada no Gênese: “Façamos o Homem à nossa imagem e semelhança”. Para Platão, o homem é o “animal capaz de ciência.” Aristóteles: “o homem é o único animal que possui razão.” “Homo faber, homo ludens, homo sapiens, rationale” – mas animal. É isso que me fascina na proposta da vereadora: um fórum permanente da proteção e defesa dos animais.

Disso, surge-me um fiapo de esperança: alguém, enfim, irá lembrar-se desse animal racional, feito à imagem e semelhança de Deus, que está jogado nas sarjetas, que passa fome, que está enfermo, que parece, apenas, aguardar a morte, morte lenta feito suplício? Finalmente, alguém irá assistir esses animaizinhos frágeis, infelizes, criancinhas implorando por um pedaço de pão, cheiradas e lambidas por cachorrinhos que por elas passam? Finalmente, alguém irá ver, enxergar que – ao lado do cachorrinho abandonado, do gatinho ferido – está uma criança, um homem velho, um enfermo, um deficiente implorando por um mínimo de misericórdia?

Com certeza, a vereadora verá o animal-homem, o bicho-humano atirado, jogado, esquecido nas ruas, nas esquinas, debaixo de pontes. E isso seria alentador. Pois, enfim – diante de tanto abandono e injustiça – teremos a oportunidade de fazer o que o admirável Sobral Pinto fez em defesa do então sofrido Luiz Carlos Prestes: invocar a Lei de Proteção aos Animais. Uma lei de proteção aos animais poderá, pois, vir a calhar para socorrer o humano desvalido. Piracicaba, agora, terá um fórum permanente para cuidar dessa maravilhosa, ímpar criatura que se chama bicho-homem. Não é mesmo? Será?

Surge, pois, a esperança de animais humanos – abandonados, desempregados, famintos, doentes – virem a ser cuidados como os animaizinhos protegidos em nossos lares. Ainda há poucos anos, do homem sofredor, dizia-se viver, ele, uma “vida de cão”. Hoje, isso é uma bênção.

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