“In Extremis” (93) – Jornais e a casa da Mãe Joana

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(imagem de Th G, por Pixabay)

Além do vírus, somos ameaçados por extremistas, fanáticos, ressentidos. Das pessoas lúcidas, isso exige uma cada vez mais aguda consciência social. A gravidade da situação é mais severa do que nos tem sido revelada. Instalou-se o caos, situação sem comando. Numa batalha, capitão não dá ordens a general. Nem general aceita ser mandado por capitão.  Por aqui, acontece.

Permito-me recorrer a uma historieta antiga. O escultor esculpia a estátua de um camponês. Observando-lhe o trabalho, um sapateiro opinou: “As sandálias estão erradas.” Reconhecendo-lhe a especialidade, o escultor acolheu a opinião do sapateiro. Mas o homem insistiu em opinar: os braços, feios; o rosto não está bem… Pediu-lhe, então, o artista: “Sapateiro, não dê opinião além das sandálias.”

Diante do interesse coletivo, opinião não é palpite. Nem “achismo”. Para a comunidade, opinião há que ser juízo, a que Kant chamou de “razão pura”. Logo, deve ter, no mínimo, sólida fundamentação. Ora, todos temos o direito de dar opinião, mesmo sendo simples palpite. Isso não implica seja moral os veículos de comunicação divulgarem-na publicamente. Pois um dos fundamentos do jornalismo chama-se “bom senso”. E isso agasalha a capacidade de avaliação. Há opiniões que são inverdades e carregam má fé.

É grave a situação também na área das comunicações. É alarmante o caos nas chamadas redes sociais, onde quase todos querem ser especialistas em quase tudo. O falso já se confunde com o verdadeiro. As pessoas estão aturdidas. Sem fontes de informação idônea, a insegurança é total.

O papel e a missão da imprensa exigem, agora, ainda mais responsabilidade de seus profissionais. Temos sido, ao longo da história, um espaço confiável de referência. Não podemos, pois, dar guarida aos que apenas “têm palpites”, fanáticos, oportunistas. A má informação é mais perniciosa do que a desinformação. Será escarnecer da ciência dar espaço aos que negam a necessidade vital da vacinação em massa. Mesmo que sejam, eles, governantes.

Antes que perguntem, tento esclarecer: jornalismo não é campo de conhecimento, mas de estudo e de pesquisa. Recorro à percepção do notável Luís Erlanger: “O jornalista é um especialista em generalidades. Primeiramente, ele deve conhecer em profundidade o seu instrumento de trabalho, que é a língua portuguesa. Além disso, é preciso estudar ética, filosofia e um pouco de ciência. E também alguma coisa na área de psicologia comportamental e neurologia.”

Os meios de divulgação enfrentam todo esse processo de transformações comportamentais. Não há que se cobrar deles a tolice da imparcialidade. Isso é um equívoco. Cada veículo sempre assumiu uma posição, provocando intensos debates e polêmicas. Jornais, pois, posicionavam-se, tomavam partido. E é honestidade o que, deles, sempre se exigiu e deve exigir-se. Nestes novos tempos, a imprensa terá, mais limpidamente, de revelar seu posicionamento face aos desafios que nos esperam.

O Brasil foi declarado o pior país do mundo na administração da pandemia! Como, então, acolher irresponsáveis que ainda negam a tragédia? Jornais não são a casa da Mãe Joana, a rainha de Nápoles que regulamentou os bordéis. Ela propôs: “o lugar terá uma porta por onde todos possam passar”. Isso incluiu os desqualificados. Não sendo esse bordel, jornais não podem ter “porta por onde todos passem.” Somos obrigados a discernir o verdadeiro do falso, o real do hipotético.

Quem desgostar do veículo que procure outro. É apenas assim.

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