“In Extremis” (94) – Catchup e “as portas dos quartéis”

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(imagem de Clker-Free-Vector-Images, por Pixabay)

Antes de escrever as primeiras palavras, eis que fui assaltado por um entendimento mais esclarecedor para mim mesmo: “Caramba! Vivo desde a primeira metade do século passado!” A vida vai levando-me dentro do mistério do tempo. E, ainda, é a mesma – ou mais ampla – a vontade de aprender, de descobrir, de entender. E há surpresas até mesmo saborosas, vindas de coisinhas simples, mas que penso ter desperdiçado. O “catchup”, por exemplo. Vamos lá, no próximo parágrafo, antes de entrar nos quartéis…

O catchup, nunca o experimentara antes. Penso devesse ser algo traumático, sei lá. Acontecera num jantar em Maceió – ah! a adorável Maceió – a convite de um figurão da política alagoana: um jantar com pizza. E resistir à pizza, quem há-de? Era um restaurante refinado, com pratos da culinária nordestina, mas que se anunciava onde se comia “a melhor pizza do Nordeste”. Lá me fui, com a corriola toda, comer o que parecia ser o orgulho do restaurante. Mas, quando as pizzas chegaram, meu estômago deu voltas, tinha medo de saborear aquilo: era, sim, pizza, mas quase que inteiramente coberta por catchup. Pizza com catchup! Não consegui provar.

E nunca – até nos últimos dias de 2.019 – tive coragem de colocar aquela coisa estranha na boca. Para lambuzar delícias, sempre preferi a mostarda. Então, aconteceu: rodelinhas de salsicha com catchup. Caramba, como – por quase toda uma vida – fugi daquela gostosura? Passei, então, a comer pastéis com catchup, pão com ovo e catchup, e o que eu puder experimentar.

O que tem a ver o catchup com os quartéis? Acho que nada, a menos que quartéis sirvam catchup para a tropa. O meu prólogo foi para mim mesmo e o que ainda pretendo escrever em seguida: o tanto e o quanto já vivi e o tanto e o quanto vejo as coisas repetirem-se com outros personagens e outros contextos. O Brasil – desde a fundação da República – sempre teve aqueles que “bateram às portas dos quartéis”, já escrevi sobre isso, incluindo uma pequena listagem de militares chegando ao poder.

Foi quase um hábito político, em momentos de crise institucional, apelar às Forças Armadas. Hábito particularmente cultivado por um homem brilhante mas alucinado, Carlos Lacerda. Atualmente, até o Gabinete Civil – atentem bem: Gabinete Civil! – da presidência da República é ocupado por um militar da reserva. Inacreditavelmente, os inimigos, a desculpa e o pretexto têm sido os mesmos dos anos 1950/60: comunismo, comunistas. Antes, os demônios vinham da antiga União Soviética; agora, os fantasmas procedem da China. Será que ainda existem mesmo? Ou, de novo, a farsa e a tragédia?

As Forças Armadas brasileiras – antes do golpe civil-militar de 1964 – eram quase unanimidade nacional, como orgulho de um povo.  Mas, nas décadas da ditadura – com torturas, mortes, violências, perseguições e desobediência à democracia – perderam a admiração, passando a ser vistas como inimigas do povo. Tudo, porém, começou a recuperar-se a partir do novo aprendizado democrático. Lenta, vagarosamente, as Forças Armadas voltaram a ser respeitadas e admiradas, reocupando a sua função primordial de guardiã das instituições, cuidadora da Constituição. E, agora, o que está acontecendo em Brasília?

É triste, é amargo ver que, absurdamente, se coloca em risco todo esse retorno à excelência da instituição militar. Até entendo que zé-ninguéns da política promovam essa violência cívica. É triste. Acima de tristezas, porém, há a angustiante expectativa: as Forças Armadas conscientes de si mesmas, até quando suportarão serem abaladas? Sinto cheiro de parlamentarismo à vista, algo assim. E penso no velho diabo: ele sabia das coisas não por ser diabo, mas por ser velho. E deve gostar de catchup.

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