Palavras ao vento
Evaldo Vicente, meu amigo querido, provoca-me – através de sua heroica A Tribuna Piracicabana – instigando-me a retornar aos comentários políticos, a opinar. Em meu entender, não adianta e não devo mais fazê-lo. Seriam, apenas, palavras ao vento e, portanto, desperdício de energia e de tempo. Por outro lado, há tantas e tantas opiniões atropelando-se por aí – em veículos impressos, radiofônicos, eletrônicos, televisivos, em redes sociais – que opinar tornou-se uma vulgaridade como outra qualquer.
Ora, opinião é um conhecimento ou crença que não se garante por si mesma. Platão já reconhecia a opinião como algo intermediário entre o conhecimento e a ignorância. E não constitui ciência alguma, pois pode mudar – e muda – ao sabor dos acontecimentos e das circunstâncias. Excesso de opiniões não conduz a nada. Pelo contrário, cria a confusão, a desordem, o caos, exatamente como está acontecendo no Brasil. A opinião depende – hoje, mais do que nunca – de quem a profere, de quem a emite. Mesmo assim, não é garantia de nada.
De qualquer maneira, tenho minhas próprias observações, todas elas de cunho absolutamente pessoal. Com a vantagem única, porém, de serem, elas, a de um velho jornalista que chega, neste 2016, a 60 de atividades jornalísticas vívidas, participantes, atuantes, com muitos erros e acertos. Essa é a minha única vantagem. Ou sina. Tenho, de jornalismo, mais tempo do que, de vida, têm milhões que digladiam nas ruas, nas redes sociais, no milagre da internet. Esta, de bênção que é, pode transformar-se em maldição. São multidões que berram, que urram, que protestam – sempre contra, mas sem apresentar proposta alguma. O que desejam, além de ingênuo combate à corrupção e a queda da presidenta da República? O que propõem, a não ser a troca de guarda? Não percebem que nada mais fazem do que trocar a roupa de um corpo doente, substituindo as vestes sem intervir na doença? O espanhóis têm um ditado significativo: “A macaca pode vestir-se de seda, mas continua macaca.” O mesmo se diga da república brasileira: pode trocar de governantes mas sua estrutura continuará suja.
Vejo o mesmo filme – com personagens e cenários diferentes – desde 1954, quando o suicídio de Getúlio Vargas silenciou o Brasil e, a mim, me despertou a consciência jornalística. Vi a tentativa de golpe para impedir a posse de Juscelino; vi a tentativa de golpe também de Jânio Quadros, mascarada por sua renúncia; vi o impedimento da posse de João Goulart, a mudança de presidencialismo para parlamentarismo; vi o horror do golpe militar de 1964, no conluio entre parte do empresariado, imprensa e Estados Unidos; vi implantação definitiva da ditadura, com a edição do AI-5. E vejo, agora, grupos com as mesmas origens repetindo o mesmo. Governar com as ruas não é democracia. Seu nome é oclocracia, exercício do poder pelas multidões.
Aqui, pois, ainda estou. Mas com uma diferença vital: não tenho mais fé em políticos mínima esperança de que algo novo, sólido, digno surja neste país – apesar de tantos protestos e ódios semeados – enquanto não se mudar toda uma estrutura, todo um sistema. O que significa substituir Dilma por Michel Temer? Como acreditar em mudanças quando o Congresso Nacional continua sob o comando de Eduardo Cunha e Renan Calheiros? Com as revelações cada vez mais aterradoras da Lava Jato, qual grupo ou partido político é digno de confiança?
O clamor das ruas pode ser um “voto de desconfiança” ou “de confiança” a um governo, como tem ocorrido nesse torneio de ódios e rancores que ocupa as ruas do país. Não nos enganemos: já se trata de uma luta de classes. E até nome ela tem: a dos “coxinhas” contra os “mortadela”. No entanto, se isso vale para um regime parlamentarista – quando se pode substituir o congresso e o governo, com “voto de desconfiança”, convocando novas eleições – isso não é válido num regime presidencialista. Um governo apenas pode cair com a clara, comprovada e provada constatação de “crime de responsabilidade”, prevista na Constituição. O “impeachment” de Dilma será discutido apenas pelas “pedaladas fiscais” e nada mais do que isso, queiram ou não as massas furiosas. Se é um mau governo, que seja derrotado nas próximas eleições. Em democracias sérias, o povo fala nas urnas.
Por outro lado, eu me enojo diante do discurso já monótono de combate à corrupção. Meu Deus! Eu ouço isso desde o “mar de lama” de Getúlio Vargas. O insubstituível e notável Samuel Johnson, pensador e escritor inglês, já observava, ainda na primeira metade, dos 1700: “patriotismo é o último refúgio dos canalhas.” Podemos, sem erro, admitir que, no Brasil, o “combate à corrupção” é, também, o último refúgio de muitos canalhas e, agora, de multidões ingênuas e indignadas. Collor elegeu-se assim; Jânio Quadros, também; Fernando Henrique, fez o mesmo; o PT transformou essa balela na bandeira que o desmoralizou de vez.
A corrupção está na natureza do poder. De todos eles, o político, o econômico, o ideológico. Não há como extirpá-la, mas há que se lutar para combatê-la. Mas o combate não pode ser apenas na troca de pessoas ou de partidos. Há que ser numa profunda reforma estrutural que, a partir de maciço e sério investimento na educação e na saúde do povo, altere tudo. Estamos num mundo inteiramente novo. Os conceitos de democracia e liberdade têm que ser reavaliados, atualizando-os a uma nova era. E, assim, também, o sistema político-eleitoral, a constituição dos poderes da República e – por que não? – a própria República.
Estamos, nestes meses, gastando energias humanas à toa. Se algo mudar, será somente a superfície. É preciso entrar nas vísceras do poder, de todos eles, exigindo que se adequem ao novo mundo que acena para as novas gerações. As grandes vítimas são a juventude e a infância e, se a tolice de mudar por mudar prosseguir, o destino delas estará irremediavelmente comprometido. Pois o pior ainda não chegou, embora próximo, muito próximo.
Se nossos jovens e crianças não tiverem amplo acesso ao universo da informática, de línguas, tecnologias aprimoradas – qual o futuro deles? Quais os empregos que terão? Do que sobreviverão? O egoísmo do poder – e não falo de elites, pois o Brasil não as têm, além das econômicas – entregará as novas gerações às mãos dos bandidos, obrigando-as a comer o pão de cada dia a partir do roubo, do crime, da prostituição, do tráfico de drogas.
A crise político-econômica é real, mas provocada artificial e organizadamente. A verdadeira crise, a mais profunda, a mãe de todas – esta é a crise moral. Que infecciona o Brasil e o mundo. É a consciência moral de um povo que constrói uma nação. Isso me traria de volta a fé. E, com ela, a esperança. Mas como iniciar uma nova ordem moral?
Mas estas, as minhas, são apenas palavras ao vento.
“Mas como iniciar uma nova ordem moral?” Pergunta você ao terminar seu artigo, caro Cecílio. Respondo: deixando atuar o Tempo Histórico. Ele é longo e vagaroso. É ele que com o protagonismo dos cidadãos de cada tempo caminha, numa dialética, onde o novo e o velho se misturam de tal forma que deles nasce uma nova forma de formação. O novo sempre nasce do velho, nada nasce do nada, do abstrato. Mas esse novo está sempre sujeito à contradições, posto refletir pensamento e realidade a um só tempo. E se tudo está sujeito à dialética, meu amigo Cecílio, como entender sua pergunta ou afirmação que se segue? “Não tenho mais fé em políticos mínima esperança de que algo novo, sólido, digno surja neste país…” Tento refutar com o próprio Marx: A hipótese fundamental da dialética é de que não existe nada eterno, fixo, pois tudo está em perpétua transformação, tudo sujeito ao contexto histórico do dinâmico e da transformação. E essa transformação tem em nós próprios os maiores protagonistas. Você mesmo não fala em luta de classes? Não é fugindo da luta que colaboramos pela mudança. Estamos em um momento mundial em que enxergamos claramente que o velho está sendo engolido por novas formas de forças sociais e que muitas vezes em seu percurso querem obrigar a dialética a estancar. É só ver a “direitização” da Europa e a tentativa de eleição de Donald Trump nos EUA . Mais que nunca é necessário estarmos firmes na convicção da mudança histórica. De que ela é lenta e que somos nós os seus motores. Desistir de crer é fácil. Lutar, é muito mais difícil, mas, é a única maneira de contribuir para a transformação qualitativa das sociedades humanas. O que querem neste momento, no Brasil, é dar um golpe, pois impeachment sem crime de responsabilidade é golpe. Concordamos nisso meu amigo. Não pode haver golpe de Estado. Nós já conhecemos suas monstruosas consequências.
Dilema?
Ah! Se todos os dilemas fossem tão fáceis de resolver! Cumprimentar o autor ou o comentarista? É claro que a ambos! Que coisa tão valiosa saber que existem pessoas tão claras e inteligentes e que essas pessoas são suas amigas! Desfrutar dessas amizades, mesmo que à distância, me compensa das terríveis figuras que ora nos agridem tanto como os protagonistas desse terrível Golpe de Estado!
Um beijo aos queridos Cecílio e Delza!
Jairo.